sábado, 19 de setembro de 2020

Que isso senhor policial?!

 

Jô cobrando pênalti na final do Campeonato Paulista de 2020.

Último jogo da final do campeonato Paulista de futebol. E confesso que nesse dia acreditei que seríamos presos por desacato.

Cinquenta minutos do segundo, jogo ganho, e... Pênalti.

Pênalti aos cinquenta minutos. A um minuto do título.

Pênalti infantil. Daquele que não se pratica nem em categoria de base.

Bola na área, centroavante cercado por quatro marcadores. 

Era jogada perdida com certeza.  

Pênalti.

Um pé descuidado de um carrinho irresponsável dava um alento à torcida corintiana.

Pênalti.

Aos  cinquenta e três minutos.

Era Jô na bola. 

O Rei dos Clássicos.

Goleiro Tenso.

Bola na cal. Jô com o olho na bola.

E policial na frente da televisão.

Irritado, ameaçava desligar o aparelho. Fazia uma batida no bar. Já havia convocado todos a retornarem para os lares.

Mas era Pênalti. Era o Jô na bola. Não podíamos ir embora daquele jeito.

Inconsolável e profundamente irritado com tamanha ousadia, o pequeno policial, se colocava de forma ameaçadora contra todos. Ameaçávamos constantemente. Já beirava  o abuso de autoridade.

Não havíamos feito nada. Mas, insistia em nos ameaçar. 

Esbravejava ora contra o dono do bar que tomava o enquadro. Ora conosco, que praticávamos naquele momento o direito da desobediência civil.

Era o Jô na bola.

O Ueverton tem fama de pegador de Pênalti.

Páreo duro.

A medida que nos colocávamos em desobediência, aumentava o nível dos abusos do jovem policial. 

Seu parceiro de viatura ficava entre o apoio ao seu inexperiente companheiro e o acompanhar a batida. Estávamos em uma situação de conflito eminente. Éramos seis. Eles apenas dois. Aliás um. Pois o outro policia já havia naquele momento sucumbido ao momento da partida. 

Se vendo solitário na situação, o jovem policial resolveu negociar. Deixou de nos ameaçar. Negociou. Retirou a mão da tomada. E com autoridade informou:

- Bateu o Pênalti, todo mundo pagando a conta e indo para casa.






 

sexta-feira, 26 de junho de 2020

O TORCEDOR







Figura ilustre em qualquer partida de futebol, ninguém entende mais desse esporte que o torcedor.
Faz da arquibancada seu palco. E nada escapa de seus apontamentos.  
A sua insatisfação pode ser escutada no horizonte. Pelas ondas do rádio e da televisão.
E se não escutam, grita, xinga e faz protesto na entrada do campo.Seja esse uma arena moderna, ou o campo da vila.
Se não gostou, persiste. E persistindo, desbanca treinador medalhão.
Com o torcedor não tem meio termo, cai mesmo.
De seu espaço tece as críticas mais ácidas recheadas de desaforos.
Criam e recriam estratégias de jogo. Ali, na hora. Fruto da paixão e da improvisação coletiva.
Formou bolinho, tenha a certeza, estão tramando a estratégia da vitória. As substituições certeiras, as quais a miopia do treinador jamais permitiria ver.
É para isso que estão ali. Fiéis e incorruptíveis.
Realmente, Ninguém entende mais de futebol que o torcedor.
Seja pelo VAR.
Seja pelo mais puro intuito. 
Se é contra o seu time, o homem de preto está errado.
Aliás, nunca na história do futebol, um assoprador conseguiu atingir a glória com essas figuras.
Por mais íntegro que seja, sempre paira contra ele, nas arquibancadas, a desconfiança.
Pois, ninguém, entende mais de futebol que o torcedor.
E ele, está em toda parte.
No boteco, no ônibus, no campinho e nas esquinas.
Nada escapa de seu olhar. Nem mesmo o jogador.
Esse só tem uma chance. Se não cai na graça sai de cabeça cheia.
Vai do céu ao inferno em poucos segundos. Pois o torcedor é assim,
A cada gol.
É uma efusão. 
Gritos
Pulos
Abraços
E palavrões
E como xinga o torcedor!
Xinga por felicidade
Xinga a cada gol sofrido
Xinga. 
O palavrão já está incorporado em seu vocabulário, está na tessitura de seus comentários. 
Não adianta censura-lo.
Não há o que fazer.
O pobre diabo descarrega o dia no espetáculo.
Se está insatisfeito, arremessa o que tem.
Vai para casa descalço
Sem camisa
Mas não sem passar a limpo os personagens.
Mas, quando tudo ocorre como planejado.
O treinador o escuta. A substituição que ele planejou dá certo. O seu xodó está em um bom dia.
Nada o contem.
É beijo e choro.
Bebe, e chora. Grita,vibra.
Pois ninguém
Digo e afirmo
Ninguém entende mais de futebol que o torcedor. 
Eles são a maioria.

sábado, 13 de junho de 2020

Aforismos de um brucutu


Sergio Ramos, zagueiro do time espanhol Real Madrid, em sua clássica chave de braço que tirou de campo o atacante egípcio Mohamed Salah, do Liverpool, na final da Champion League, de 2018 .


Caríssimo atacante. Ou qualquer ser predestinado que por insanidade ou ânsia de fama, pretenda avançar contra minha minha meta. Deixo-lhe como observação algumas palavras.
Diz-se muito sobre a virilidade de alguns marcadores.
Rotulam-nos de truculentos.
Injustiçados por sua determinação. Ao ponto de sermos taxados covardemente, como violentos.
Isso é uma infâmia.
Confundem o ofício daquele que defende.
Atribuem-nos valor.
E dizem em voz solta, que bate.
Mas o que é o bater? 
O bater no futebol, longe de ser a manifestação covarde da violência como impera no senso comum.
Ou a imprudência dos loucos.
É a manifestação do puro equilíbrio.
Da sapiência, do conhecimento anatômico e matemático.
Acima de qualquer juízo.
O bater, é um gesto de carinho
Um carinho ambíguo. Rodriguiano.
Com a quase conivência da vítima.
É um gesto de reconhecimento. E porque não, de sublimação.
O marcador é quase um esteta. 
Contempla proximamente o giro. O passe perfeito. O bailar do drible.
E de tão próximo, ceifa-lhe. 
Bate.
Gerando um outro movimento. Tenso. Com expressões próximas aos personagens mais dramáticos de Goya e Velázquez. 
Ao bater, recria a obra e o movimento.
Cria uma nova sonoridade para a partida.
Existe entre ambas as partes, mesmo que inconscientemente, uma cumplicidade no gesto.
...
Ao atacante vitimado, resta-lhe a certeza que a ação vil nada mais é do que o reconhecimento máximo de suas qualidades em campo.
Sabe disso.
Mesmo quando estendido à grama.
Sabe disso.
Com o corpo tomado em dores do encontro epopeico. 
O bom atacante não deve mal-dizer o seu algoz.
Pois esse, tal como se espera, se aproximará e dirá

- Levanta que apenas começamos.



segunda-feira, 27 de abril de 2020

Edivaldinho o craque do povo


Foi cruel. E a beleza, as vezes é recheada dessa áurea de crueldade.
De um chute sem peso. A bola tracejou um movimento parambolar.
E o pobre goleiro, esticou-se. Chacolhava os braços no ar como um gato.
Em um movimento mais que felino, "felínico". Saltou por detrás do zagueiro. Estava um passo a frente e o beque desorientado, um passo atrás.
Tentou voltar em um salto quase mortal. Agitou-se no ar e deitou junto a bola no fundo da rede.
Edivaldinho apenas sorria.
Do lampejo de genialidade, do meio do campo. Seco e sem peso. Como um Didi.
Aliás, Edivaldo é nome de jogador clássico. De tempos douros.
Fez o que o Pelé não fez.
Acertou a meta do meio da cancha.
Mas com um no sorriso rosto. Sempre.
Parece debochar do adversário.
Mas, que nada.
O que ele faz mesmo é sorrir para a bola. E como gosta da bola!
Humilde, nunca fez a questão da 10. E olha que a oferecemos diversas vezes.
Aceita a 8.
Um Gerson.
Não guarda posição.
Traz de perfeito aquilo que o futebol tático esqueceu, o peladeiro.
Não o caneludo. Mas, o amante da bola.
Está em todas as áreas do campo.
Gosta de administrar o jogo.
E nesse, não estava bem.
Errou passe. Perdeu gol.
Até bola nas costas tomou.
Mas gênio, é gênio e ponto.
Inventou.
Deixou para o final do jogo.
Mas inventou.
Deu por cima do goleiro.
E o pobre diabo que havia pegado tudo abraçou a bola dentro do gol.
Não sem antes arregalar os olhos. Clamar por Nossa Senhora e deitou no tapete.
Demorou a se levantar.
Humilhado em uma partida quase perfeita.
Apenas um passo a frente.
E a genialidade o superou.



sexta-feira, 10 de abril de 2020

Whatsapp

Lupércio, ex-goleiro da Bratac, Maria Lúcia, Londrina, 2018. Foto: André Camargo


O mundo é online.
Tudo que pretendemos desenvolver passa por páginas, grupos ou redes sociais.
No futebol amador não é diferente. Hoje as equipes nascem e também morrem no Whatsapp.
Sem romantismos. Nada de peneira ou indicações. Sem essa de rachão ou time de amigos.
É pro curtida mesmo.
A publicidade está nos comentários e os likes das redes sociais.
Quer formar um time? Vá para o "Whats".
Mas antes, vasculha as redes sociais, procura o jogador em seu perfil e faz o convite.
Aceitou, adiciona no "Whats".
Com os jogos também não é diferente. sou da época que esses eram marcados pela rádio, que na segunda-feira divulgava os resultados das partidas que agendara.
Hoje não.
Está tudo em grupo.
Em Londrina todas as partidas, nas quatro Ligas da cidade são combinadas online.
Se quiser jogar na cidade, tem que estar conectado.
Tudo é figurinha e status.
Administrador e dirigente até o momento do jogo, não passam de um Avatar.
Atualmente, para garantir os jogos, e estar por dentro da cena, participo de quatro grupos de Whatsapp. Na verdade, são quatro Ligas de futebol, administradas por um ou mais indivíduos.
Esses grupos são verdadeiros Fóruns. É administrador mandando resenha do pós-jogo revelando as rivalidades locais e os desafetos, as fotos dos campos e vídeos das partidas. Fora as bajulações recheadas de falsidade, e o "Deus abençoe todos nós", ou o "aqui todo mundo é irmão", geralmente após uma sessão de bate-boca.
Uns grupos são mais objetivos que outros, os mais organizados, postam lâminas com os escudos das equipes e os resultados, não admitem conversas que destoem disso.
Outros não, lava-se muita roupa suja nestes grupos.
Em meio a brigas, bajulações e ameaças, recentemente, a coisa ganhou novos ares. Imagine o oder de um grupo de Whatsapp. Fechado, os caras falam e fazem o que pensam. Veja o estrago, até presidente elegeram, evitam Blitz, e tudo. O que dirá fritar um jogador.
Foi o que fez um dos dirigentes locais ao postar um áudio de descontentamento.
Era um áudio longo, quase dois minutos de desabafo que encontrou eco.
Desgostoso com a atitude do atleta, o  expôs ao julgamento do grupo. Deu o nome, a apelido e o tipo físico, audíveis até para os mais distraídos.
Estava formado o "tapete" online.
Uma forma de moralizar o futebol amador da cidade.
Era o que dizia.
Aliás, neste momento do áudio já bradava.
Rapidamente surgiram as palminhas.  De todas cores.
Alguns mais empolgados, mandavam figurinhas de apoio.
Eram uns dez envolvidos, mas estava feito.
Um pequeno grupo de diretores de equipes de futebol amador da cidade resolveu dar uma basta ao boleiro sem compromisso.
E o denunciante? Em meio ao coro, continuou. Estava visivelmente indignado com o investimento e a falta de retorno que teve com esse atleta, passou o currículo. Repetiu o nome e CPF do indivíduo.
Era coisa de gente traída. Dava para perceber a mágoa.

- Tratei como um filho. A chuteira estragava em jogo de meio de semana, e lá estava o indivíduo no sábado fazendo pressão para trocar o par.  Ou troca ou não joga. Trocava.

- Dei do bom e do melhor. Todo jogo trazia a família e os amigos para ficarem na piscina.

- Gastamos um monte com o "doce" no final das partidas. E a cerveja?
Tem que ser da boa. Da badalada.  Nada dessas convencionais que os estômagos do garotos são sensíveis.

Sentia-se traído. Era visível isso.
Deu campo.
Chuteira e cerveja.
Até apresentou para os amigos.

- Era para ver se o indivíduo se arrumava melhor no emprego.

Era quase um pai.
E o que ganhou?
Um "valeu", em meio de temporada. Com o time reformulando.
E a contrapartida?
Não teve.
Desabafava. E a cada eco que surgia no grupo, repetia outras várias vezes o nome e o apelido do atleta. Alertava os demais dirigentes sobre suas atitudes.
Em meio a tal situação, o debate ferveu.
E assim seguiram as lamúrias.
O desabafo deu o que falar ao longo da semana. Outros dirigentes, sentido-se seguros e acolhidos começaram a puxar o histórico de muitos atletas de temporada.
Era uma insatisfação só.
E o coro?
Uníssono.
A reclamação estava voltada ao custo-benefício.
Investe-se no jogador. Isso é fato.
Os mais indignados desabafavam.
Foi uma terapia coletiva. Furiosos, reclamavam de tudo. De tudo mesmo.
Um dirigente que até então só visualizava, resolveu improvisar um acordo.

- Vai ter que apresentar currículo.

Silêncio geral no grupo.
De repente, surgiram os "joinhas".
Eram mais de cinquenta.
Muitas carreiras de boleiros estavam se findando naquele momento.
Propôs que jogador que estivesse trocando de clube informasse a origem, e que os dirigentes acertassem entre si a permissão ou não deste jogador disputar uma das Ligas em suas equipes.
Os remelas de chuteira ficaram bravos.
Esses que até então estavam quietos, talvez gozando do desespero alheio. Viram-se prejudicados.

- Como assim? Se trocou é porque está procurando coisa melhor.

Outros propunham meio termos.

- Fritar o jogador é muita crueldade. Ninguém precisa jogar onde não quer. Façamos o seguinte, jogador só muda de clube no final da temporada.

Silêncio no grupo.
De repente, mais de oitenta "joinhas".
Era quase unânime a ideia. Pareciam ter encontrado uma solução.
Pelo menos, até a rodada de sábado,  quando o distinto boleiro foi visto com o uniforme de um dos remelas.
Não deu outra. Rolou foto, áudio e muito xingamento.
Parecia briga de marido ciumento.
O cenário estava montado.
E o boleiro?
Esse não estava nem ai. Jogou e até gol fez.
Foi uma bela estreia.
Tem vídeo.





sábado, 4 de abril de 2020

#o_jacare_nao_pode_acabar


Em épocas de campos fechados as redes sociais nos enchem os olhos.
Hoje em meio a um turbilhão de atividades de trabalho, eis que percebo uma notificação em meu aparelho celular.
Era um vídeo curto, enviado por um amigo que sabedor de minha admiração pelo atleta, resolveu presentear-me com trinta e nove segundos de nostalgia.
O compartilhamento original,  entregava a intenção do conteúdo. Parecia alertar o destinatário para o qual direcionava o post. Era quase uma manchete

"Repórter sem medo de fazer o trabalho dele, zagueiro, zagueirando e polemizando na entrevista".

Soava como uma crítica a todo um sistema esportivo praticado a partir de perguntas ensaiadas. De atletas orientados por especialistas em imagem. Parecia se sentir justiçado.
No olho do furacão e com cara de poucos amigos, o lendário zagueiro João Neves, pesadelos de muitos atacantes que cruzaram o caminho do Londrina nos idos de 1990.
Estava desolado. E não era por menos, acabara de ser expulso. Considerava aquilo uma verdadeira injustiça.
O atacante saiu ileso.
E mesmo assim, fora expulso.
Era perseguição da arbitragem. E isso parece que seguiu-lhe por toda a carreira.
Se o João está em campo, prepara os cartões.
Mas o lance que irritara o zagueiro?
Em sua leitura, foi apenas um carrinho motivacional. Daqueles que anima o trabalhador que procura na partida de futebol uma distração para os seus desencantos.
Mas o vídeo é cruel e comentado.
Mostra-nos a vinte seis anos após o lance que João não escutou o professor.
Não o técnico da equipe profissional.
Esse não. Macaco velho olha treinador por baixo. Faz que escuta e toma linha.
O professor do terrão. Da escolinha.
Um carrinho próximo a linha de fundo? Não pode.
Mais foi. No gol dos portões do hoje silencioso Vitorino Gonçalves Dias.
A vítima?
Um ponteiro de nome Niltinho. Talvez o momento solene de sua carreira tenha sido essa falta.
E reconheço, até com certa admiração. Como saltou!
A cena é forte. Não sei como o Facebook permitiu que viesse aberta. Deveria ter recomendações para os ânimos fracos. Mas justifica o substantivo transformado em verbo.
Zagueireou no bote e na entrevista.
Era uma bola morta. Bola em linha de fundo.
Nessa área do campo, diz o manual e a prudência que se evite o contato.
Mas devia ter torcedor pedindo para o bom João deitar um corpo por ali.
Foi o que ele fez.
Zagueiro quando é zagueiro. Deita.
Deita ou voa.
E João Neves fez os dois.
Planou e deslisou.
E o árbitro? Esse não.
Mandou o xerife para o banho mais cedo.
O camisa três saiu envolto de jornalistas. Todos, esperando uma palavra para a primeira página da gazeta.
E veio.
Veio na ação rápida e astuta, e porque não corajosa do grande Rubens Cabral, o típico repórter de beira do campo.
Esse sim entende a pressão no gramado.
Sabe como falar e a hora de perguntar.
E perguntou.
Perguntou o que tinha que se perguntado.
Mas perguntou.
E os demais? Só ouvintes e de gravadores ligados.
E de cabeça quente, João soltou um fora do script. "Elogiou" o árbitro. Até tentou sair. Teve seus segundos de bom senso.
Mas, o astuto repórter lhe provocou. Sabia onde cutucar.Mexeu-lhe no ego.
E veio a pérola. como o olho brilhoso como que se por aquele segundo de lembrança voltasse-lhe a felicidade. Fitou a torcida do canto da pipoca, e justificou o carrinho.
 - É para levantar a galera.
- Levantar a galera?
Perguntou-lhe o repórter.
E João lhe emendou um complemento.
- Mas a seriedade tem que ser acima de tudo.
E voltou a "elogiar" o árbitro.
Pasmo com o que viu, e com o que acabara de escutar, o repórter insistiu.
- Mas você viu o tamanho do jogador?
E João, do alto de seus quase dois metros de altura, ainda de cabeça quente soltou o que todo varzeano diz.
- Não importa o tamanho, está dentro de campo tem que aguentar o tranco.
Ao proferir as palavras, rumou para o vestiário.
Assisti o vídeo várias vezes e compartilhei
#o_jacare_nao_pode_acabar

segunda-feira, 23 de março de 2020

Vou furar a bola


- Mas é um direito nosso. Isso aqui não é Cuba não. "Nóis vive" numa democracia entendeu?
Uma D-E-M-O-C-R-A-C-I-A.
O sujeito estava ensandecido. Enquanto gritava, andava em círculos, gesticulava, e volta e meia se direcionava a autoridade ali presente.
Debateu com todos. Do árbitro ao policial que lhe abordava.
Não acreditava no que estava acontecendo. Parecia se questionar. 
Repetia consigo mesmo:
- Justo no Brasil, um país democrático. E os direitos do cidadão? Ah! Isso eu não aceito.
Ruminou diversas vezes a mesma frase. Caminhava como um louco.
Estava visivelmente ofendido.
Combinara tudo pelo Whatsapp.
Indignado, com o aparelho celular em mãos, questionava os policiais se eles sabiam da dificuldade de se articular as coisas pelo grupo da boleiragem.
Mas tudo. Tudo, naquele momento, lhe parecia contrário.
Não havia argumento. Não iria acontecer e ponto.
Insultado, voltou-se para o policial mais próximo, e em tom ameaçador lhe disse:
- Isso é abuso de autoridade. A imprensa vai saber disso.
Os policiais que ainda o abordavam de forma cordial. Estranharam. Tentaram-no acalmar.
Mostravam-se até solidários. E entre um chilique e outro, continuavam com sua árdua tarefa de conscientização. Eram quase didáticos. Falavam em tom sereno, explicando ponto a ponto o porque da proibição. A necessidade do fechamento do campo.
E quanto mais explicavam, mais o infeliz crescia.
Quanto mais próximos do acordo.
Mais agitado ficava.
Batia-lhe o desespero.
Chegou a gravar um vídeo denunciando os policiais. Dizia que o abuso não ficaria em silêncio.
E os policiais? Ao perceberem a gravação, ironicamente acenaram. 
Isso foi a gota d'água. 
Jogou o celular no chão.  E furiosamente gesticulava. Gritava. Chamava o público para intervir. Buscou o tumulto na argumentação do cara a cara.
E nada.
Então, tomou a bola.
Isso mesmo.
Desesperado, puxou a bola que estava com o policial e saiu correndo.
Mas tudo tem o seu limite.
Isso foi demais.
Desrespeitou a autoridade. 
Era muito desaforo.
Acabou a conversa.
Em questão de segundos, tudo mudou. O policial esbaforia sua autoridade contra todos.
Cresceu, e com a mão no coldre dizia:
- Traz aqui.
O peladeiro atrevido, como que de afronte, questionava:
- Trazer o que?
Sacou a arma e como último recurso avisou:
- Vou furar a bola.
Ouviu?
Vou furar a bola.
No tiro.
Vou furar a bola.
E vai ser no tiro. Acabou a conversa.
Aqui, ninguém joga. E se teimar, levo comigo os uniformes. E uns dois para averiguação, só para passar o desaforo.
Não deu outra.
Um multidão assustada se deslocou até o outro lado do campo, onde o boleiro rebelde se encontrava. Estavam dispostos a por fim ao sequestro. Usaram os mais diversos argumentos. dos Legais aos emocionais.
- Devolve rapaz. Domingo que vem a gente dá um jeito.
- Rapaz, essa bola é de duzentão.
- Você vai tomar cana. Entrega.
- Pensa no seu filho. Pai preso, é complicado.
Contrariado, mas convencido. O boleiro revoltado que havia dado fuga com a bola voltou. Devolveu-a, não para o policial. Para não dar o braço a torcer, não era arregão. Entregou-a  um amigo.
O futebol acabou mais cedo.
Sem gols.
E sem bola. Essa foi de viatura para o  seguro do distrito policial.
No campo, ficaram os uniformes, e os marmanjos que aprenderam na marra o sentido da palavra quarentena.






quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

São VAR

fonte: https://www.meutimao.com.br/noticias-do-corinthians/341592/falta-de-criterio-e-erro-duplo-em-gol-sofrido-comentarista-de-arbitragem-critica-atuacao-de-pitana

De hoje em diante serei o mais ávido defensor do VAR.
O VAR do povo. O moralizador do futebol.
É imperioso que tomemos medidas contra a caolhice de árbitros como Pitana.
Que erros grotescos ocasionados por sua miopia não mais interfiram nos resultados de partidas de futebol.
Que venha o VAR.
E que venha para ficar.
Com o VAR, ontem, a justiça seria feita. O bom zagueiro Gil não seria penalizado. Não teria sua consciência assombrada com a falta do gol derradeiro.
Irritou-se, Indignou-se.
E Gil estava certo. Era inocente. Fato comprovado por 32 câmeras que viram, filmaram tudo.
Menos o árbitro, que míope, assinalou a falta.
Maldito Pitana.
Foram muitos os ângulos. Na mais pura crueldade do replay, visto em câmera lenta, em ângulos invertidos.
E em todos.
Em todos. Gil evitou o toque.
Foram diversos Gil. E em todos, saíra ileso de culpa.
Mas a miopia de Pitana foi decisiva.
Árbitro de Copa do Mundo. Não aceita ser questionado.
Fez cara de "estou com a razão". Confrontado, ameaçou punir.
Estava convicto.
Um erro por convicção.
Um erro de Libertadores. Em mata-mata.
Com o VAR, seria alertado. Até acredito que o alertaram. Mas era tarde.
E para piorar, a encenação com um assombroso conjunto de giros e gritos.
E Gil?
Atônito foi tornando-se indignado. Com o despeito dos injustiçados.
O VAR evitaria o chute de direita que enganou Cássio.
Evitaria o barulho estridente da bola a bater no fundo da rede.
O som do desespero, de filme repetido.
O fantasma do Tolima.
Por isso digo, a solução para o futebol está no VAR. 
O VAR evitará o choro dos inocentes.  Que amigos cruéis, insensíveis à dor, em momentos como esses não bombardeiem as redes sociais com os mais monstruosos memes. Piadinhas horrorosas.
Ah se tivéssemos o VAR!
A noite de eliminação foi longa.
Uma derrota que veio como vitória.
Foram 2 a 1, e não bastou, o Corinthians caiu outra vez.
De um primeiro tempo promissor. De um Pedrinho irresponsável. De Love pedindo desculpas por gols perdidos. E outra vez uma queda diante do Guarani do Paraguai.
Nada, conforta a insônia oriunda da desolação.
Por isso defendo o VAR, o herói das multidões.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

O Belo


O futebol e seus musos. De Renato Portaluppi, Paolo Maldini a David Beckham. Criaturas de encanto invejável que percorreram os gramados internacionais despertando os desejos mais profundos do público feminino. Fico a pensar como deveria ser difícil caminhar ao lado de tais criaturas. De lidar com a invisibilidade. Para ser franco, de suportar a inveja.
Alguns, mais despeitados, apoiados por tantos outros temerosos de tais criaturas, dizem que  beleza destes atletas é hiperdimensionada pelos veículos de comunicação. São duros com suas palavras. Chegando ao ponto de colocar em dúvida suas masculinidades. Assumem o consenso de que tudo não passa de uma edição de imagem.
E como consolo, minimizam o universo feminino, afirmando que as mulheres se encantam por qualquer propagandas.
Mas nada. Nada do teçam, dará conta de tal despeito.
Tais comentários chegam a ser toleráveis nessas maldosos bocas mortais.  Pois ídolos são seres distantes. E quando belos, inatingíveis.
Se tudo é propaganda, como explicar os musos da várzea?
Nos campos não televisionados.
Campos onde a beleza é tabu.
Que ser alinhado é estar com um bom corte de cabelo e sem cheiro de álcool da noitada anterior.
Os tempos mudam.
Futebol virou lazer de família.
A beira dos campos até parece piquenique. Tem cooler, energético, protetor solar e muita gritaria.
Vai namorada, prima, amiga, irmã, todas uniformizadas com a camisa do clube.
Gritam, oram e xingam.
Muitas se aventuram em estratégias de jogo.
Mas algumas,mesmo comprometidas se deslocam aos campos mais distantes, para acompanharem seus musos.
Uma verdadeira devoção.
Recentemente tenho presenciado um fenômeno, que despertou o interesse de tal público, a ponto de levar até mães de atleta à fidelidade das beiras de gramados.
Um legião o acompanha, de entendidas de futebol, a torcedoras de família.
Os bares ao lado dos clubes esvaziam-se com sua presença.
Esse fenômeno tem nome e desfila pelos gramados londrinenses. Atende educadamente a todos por Val.
Lindo Val.
Sua presença gera desavenças em casais.
Basta uma olhadinha, para o namorado enciumado e inseguro, ter suas crises.
Explodir em desaforos contra a pobre iludida.
Outras simplesmente fogem se deslocam para o campo onde seu muso está.
Assumem o risco, quase que instintivamente.
Foi o que aconteceu em uma partida recente. Uma jovem simplesmente virou a casaca. Abandou os amigos que acompanhava e ficou. Sentou-se de forma solitária em um banco atrás do gol adversário, encantada, sofreu. Como sofreu.
Percebia-se sua aflição ao longo da partida.
Desesperava-se com a violência praticada contra seu muso.
E como os marcadores são cruéis.
Batiam com gosto.
Uma verdadeira sessão de descarrego.
Uma crueldade sem tamanho, com o pobre coração aflito que parecia não aceitar o que acontecia.
Incomodada, roía as unhas, gesticulava. E a cada encontrão, era uma sofreguidão indescritível.
A cada ai.
Um ui.
Um palavrão abafado pela consciência comprometida.
Olhava o relógio.
Murmurava o nome que acabara de Aprender.
Vai Val.
Vai Val.
Parecia pedir um gol ao destemido camisa sete, coincidentemente o número imortalizado por Renato Portaluppi.
Seus olhos o acompanhava por todo o campo.
Pareciam querer protege-lo.
Foram longos cinquenta minutos de sofrimento. Perceptíveis em seu cruzar de pernas. No olhar fixo para o campo. E acima de tudo, pela expressão de angústia.
Definitivamente, o que era para ser um "vou ali, e já volto", virou torcida. Esqueceu de vez o time que acompanhara.
Era a mais pura expressão de devoção.
A devoção a Lindo Val.
Suas mãos pareciam sempre estar em oração.
A fazer um pedido.
Suas preces foram atendidas, no final do jogo. Com o gol que selaria a partida. Um gol de classe e frieza.
Na entrada da área.
Diante de um marcador vencido.
Como poucos musos, foi generoso, ouvíamos orientaro lateral que nervoso e indeciso, evitou o arremate frontal.
Dizia firmemente
- Faça o gol. Chute.
Não chutou.
Passou.
Passou forte.
Quase sem ângulo.
Bola rápida.
Domínio preciso.
Lindo. Preciso.
Lindo.
A jovem mal piscava. Levou a mão à boca.
Lindo.
Creio que naquele. Justamente naquele momento. Sequer respirou.
Lindo.
Parecia querer parar a projeção do goleiro contra seu muso.
Seria inevitável o impacto. Era um goleiro maçudo.
Mas não, para ele aquilo era poesia.
Olhou fixamente para o goleiro que em desespero já deslizava pelo chão.
Fitou-o.
Parecia querer ver dentro de seus olhos.
Bateu seco e saltou.
Não de qualquer jeito.
Ela se levantou do banco.
A bola entrou.
Ela saltou.
No canto superior.
Ela gritou.
E juntamente com o barulho da bola deslizando pela rede, ouvia-se ao fundo.
Lindo.
Lindo.
Lindo.
Lindo.
Uma alma estava agraciada.
Abriu em seu belo rosto um sorriso.
Sorriso que contrastava com o olhar cabisbaixo do goleiro que sequer levantou do chão.








domingo, 2 de fevereiro de 2020

Jarrão



O futebol de várzea tem seus mistérios e histórias, é recheado de personagens das mais diversas alcunhas. Penso, que na várzea ser chamado pelo nome beira o desrespeito.
São muitos os apelidos que desfilam pelos campos, uma listagem digna de uma taxonomia específica. Boizinho, Peruca, Barriga, Queixada, Vermelho, Bagaça, Sossego, Tiziu, Tyson, Delega, Balão, Buiú, Toddy, Soninho, Miséria, Tonho Preto, e assim se estende a lista por gerações de atletas.
Muitos apelidos acompanham-nos desde a infância. Uma forma de "categorização" do indivíduo, é quase um segundo batismo. Outras são atribuídas tardiamente, e muitas nascem dentro dos campos de futebol ao ponto de nunca saber o nome verdadeiro de alguns jogadores.
Nesse universo de alcunhas, há alguns anos, uma vem tirando o sono de muitos marcadores da cidade, a figura atende por Jarrão.
O nome?
Sabe lá Deus qual. 
Mas falou Jarrão em qualquer região da cidade. Dão até o número de sua chuteira.
Dia de marca-lo, é jogo sem elegância, marcador precavido joga na base da trombada e do chutão. Sem conversa. Qualquer jogador bem informado sabe disso.
É jogo no IAPAR? 
Tem que reforçar a marcação.
E não tem sossego.
Sozinho segura no mínimo dois marcadores.
E o pior, não falta. Sequer dá uma trégua com uma lesão ou outra.
O indivíduo parece que mora no campo.
Quando atrasa, dá para escutar o murmurinho.
O semblante do pessoal fica tenso.

- E ai, ele vem ou não?

Com seus quase dois metros de altura e alguns quilinhos a mais, é um antagonista no sentido pleno da palavra naquilo que se compreende como fisionomia futebolística.
E ai que mora o perigo para os desinformados.
É meio time, e todos sabem disso.
Todos. Companheiros do Amigos do Iapar e os adversários. 
Os que não sabem, ao término das partidas ficam sabendo.
Deu espaço, é gol.
É o rei da área em Londrina.
Sujeito de pouca conversa no campo, caminha sempre de cara fechada. Faz o tipo intimidador. Grande e corpulento, é dono de uma canhota incrível. Conhecedor de seu status, parece entrar em uma bolha quando está no gramado.
Falou Jarrão. Todos já sabemos, lá vem cotovelada, pisão no pé, tapas no peito e muita habilidade com pivôs quase imarcáveis.
Seu jogo, todos conhecem, trava a bola em sua canhota, segura na parede e prepara o pivô.
É um perigo. Quanto mais perto da área, mais letal.
Gosta de jogar de costas.
Poucos gostam tanto.
Em jogo com personagem tão folclórico, todos viramos coadjuvante.Tem-que se criar uma coregrafia para anula-lo, o na pior das hipóteses, diminuir o estrago. 
Chegará um dia que lhe prestarão a devida homenagem, batizarão o campo com o seu nome.
Talvez, até uma placa com o total de gols marcados.


referente a junho de 2014

sábado, 18 de janeiro de 2020

O gato


Mesários são criaturas indiferentes à partida. São verdadeiros delegados, estão lá para que as regras do campeonatos sejam cumpridas e pronto. Assistem tudo de um ponto privilegiado do campo.
Chegam cedo, antes mesmo da arbitragem.
Gostam do relógio.O conferem o tempo todo. E quando essa aponta que está na hora de começar o seu trabalho, são pontuais. Montam suas mesas e, como que mecanicamente iniciam o ritual da documentação.
Geralmente, um membro da equipe leva os documentos e as carteirinhas com foto para o figura, já com a ficha da partida assinada. Mas em campeonato de juvenil não. Tem que fazer fila. dizem que é para ensinar a boa disciplina para os atletas.
E foi numa destas filas que um bicho estranho apareceu para um desses senhores.
Campeonato Carioca juvenil de 1998, jogo entre América e Friburguense. A partida ocorreria no Estádio Giulite Coutinho, casa do América.
Molecada entre quinze e dezessete anos. Ansiosos. A ponto de alguns subirem para a documentação ainda descalços.
Havia montado sua mesa debaixo de um guarda-sol, cordialmente cedido pela equipe mandante. situara-a entre os bancos de reservas. 
Observara tudo. Até mesmo os pontos de arremesso de urina e cuspe.
O guarda-sol era tão fino, que poderíamos chamá-lo de corta-cuspe.
Estava bem protegido. Ao menos das intenções dos poucos torcedores.
Organizou a fila e sentou-se.
Colocou seus óculos, abriu sua pasta e retirou a ficha de inscrição da partida. 
Como de costume, recebia os documentos e carteirinhas sem sequer olhar o atleta. Conferia-os e chamava o próximo da fila.
A cena se repetia já haviam passado quase vinte jogadores por sua mesa.
Olhava a foto.
A assinatura.
Conferia os documentos.
Olhava a ficha.
- Próximo...
Detestava fotocópias, chamava de fraude. Sempre quando uma aparecia, criava caso. Mas desta vez tudo corria tranquilamente. As equipes já sabiam de sua presença no campo.
Continuou seu trabalho de conferência.
Dos garotos lembrava apenas das vozes.
Sons agudos, com alguma tentativa de empostação, geralmente sempre terminando em fracasso.
Quando que por piedade, ou tédio, dava por olhar a fila por sobre seus óculos. Via um interminável alinhamento de moleques franzinos, pálidos e com seus documentas nas mãos.
Só que dessa vez, nem isso. Ignorou-os por completo.
Eram duas da tarde. O sol não estava para brincadeira.
Continuou a olhar os papeis, e fixou-se nisso.
De repente, entre um documento e outro. Um trago de água e um confronto de assinaturas. O sol que o castigava, some de sua mesa. em seu lugar, uma sombra que parecia não ter fim.
Ergueu vagarosamente os olhos por sobre o o óculos, como de costume, e o que via era apenas uma massa negra e volumosa. Assustado, continuou a observa-lo por alguns segundos.
A figura era assustadora. Uma montanha negra. Massuda e de olhar severo que lhe abriu um sorriso amistoso com dentes brancos e enormes que encavalavam em sua boca. Percebia os pelos que lhe tomavam a face. Os olhos fundos e a voz assustadoramente grave que em nada lembrava o conjunto de garotos que passaram por ali. Perfilado com garotos da categoria, destoava, avolumava-se sobre o grupo. Sua sombra parecia engolir ao menos três jovens atletas.
Estendeu-lhe a mão com os documentos. E sorriu.
Incrédulo com o que via, secamente lhe perguntou: - Idade?
- Dezesseis professor. Igual o que está no documento.
Devolveu-lhe os documentos e continuou sua conferência.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

O centroavante do amor e sua Julieta

Fotografia  de André Camargo Lopes, 2018.

- Vai morrer rapaz. Você ouviu? Se fizer isso de novo, daqui você não sai vivo.

Os casais se unem pelos mais estranhos motivos. E são essas estranhezas o que movimentam suas paixões. Alguns casais se tornam fortes justamente por amar-se e amarem a mesma coisa juntos. 
Quando avistávamos o Fiat Spazio creme, ano 1983 nas imediações do campo, tínhamos a certeza de que o jogo seria tenso. Teríamos um espetáculo de paixões no nível Shakespeariano.  Daquelas de amor intenso. De dois contra o mundo, coisas assim.
O dono do veículo era Jairzão, centroavante que acabara de chegar no Heimtal para a temporada 2000, trazendo a fama de matador, vindo do A. C. Paraíso. Era um indivíduo alto e forte, bom sujeito. Jogador tipo família. Não se envolvia em brigas. Sequer em bate-bocas. ao contrário de muitos, ia para o campo com a esposa, irmãos e filho. Levavam toalha para piquenique, bebida, lanche, protetor solar, e outros apetrechos preparados na véspera por sua esposa e cunhadas. 
Chegavam cedo, a tempo de assistirem a partida de aspirantes. Acampavam à sombra de uma árvore, e lá ficavam. Um verdadeiro passeio dominical.
Visualmente era um casal exótico, ele com seus quase dois metros de altura, e ela com pouco mais de um metro e meio. E não parava nisso.
Acostumados com gols marcados, comemorados com palavrões, socos no ar, e toda forma de expressão vil, que ebuliam no êxtase de uma partida de futebol. Passamos a ter um novo tipo de comemoração.
Pois com Jairzão era diferente. Era o atacante do amor.
Antes mesmo de surgir um Wagner Love, a várzea londrinense teve o seu atacante Love.
Independente do campo que jogávamos.
Era ele por a bola na rede e a cena se repetia.
A montanha de músculos se deslocava para uma das laterais do campo. Procurava atento sua esposa, não ousávamos interrompe-lo, aguardávamos no campo, limitando-nos a observar a cena.
Eram longos segundos de busca incessante.
Volta e meia, ela surgiu gritando juras de amor e saltitando de alegria. As vezes, de tão empolgada pulava com o filho nos braços. E a criança, assustada, chorava.
Eram beijos rápidos no alambrado.
Beijos suados.
Nela e no filho. Tapinhas nos irmãos.
Tudo em família.
Era um bom sujeito.
Eram declarações das mais apaixonadas.  Bastava sair o gol, e tudo se repetia.
Juiz olhando o relógio.
Adversário mal-amado cobrando cartão.
Saltos no alambrado.
E o beijo. Ah! O beijo dos apaixonados.
O tempo parava, o mundo que espere, parecia ser isso a mensagem que nos mandava.
E esperávamos.
Mas vida de centroavante, não é esse mar de rosas. Tem seus prós e contras. Em dia que a bola não entrava e a torcida da casa dava de lhe pegar no pé deixando-o cabisbaixo.
Não demorava muito e lá do campo a escutávamos brigando com os torcedores mais exaltados.

- Se acha que é fácil, vai lá e faz você.
- Cadê o respeito? Semana passada não era isso que você pensava dele. Quero ver o que vai fazer se ele fizer um gol.

Dito e feito. Aquilo parecia lhe dar ânimo. Alguém que o defendesse.
Como uma criança se sentindo segura, em segundos transfigurava, ia de cabisbaixo a sorridente.
Olhava para a torcida e ria.
Jairzão ao ver  cena ria, apenas ria.
Ria do trabalho de seus irmãos em acalmar sua fiel torcedora.
Ria como que se sentindo vingado das afrontas.
E continuava a rir, até que em uma de suas persistências encontrasse o gol.
E como resposta aos descreditados, corria até sua defensora para lhe render as homenagens devidas.
Era o casal perfeito. O matrimônio parecia ter sido lavrado em um campo de futebol. Sinceramente, nunca lhe perguntei isso. Mas suspeitava que sim.
Era um amor que se misturava como a fidelidade de um torcedor.
Ela cobrava de tudo e de todos.
Quando o jogo era pegada, gritava para nossa defesa

- E ai, ficarão de conversa ou vão a descer a lenha como se deve? Estão batendo no meu marido, ainda não perceberam?

As cobranças conosco só paravam quando efetivamente começávamos a "impor o respeito".
Agora com os adversários, isso parecia não ter fim.
A cada cotovelada. Puxão de camisa. Subia o alambrado como um a fera. Vermelha, tomada em cólera e gritava com uma fúria incontrolável.

- Se bater de novo em meu marido você não volta para casa ouviu?

Não eram somente essas ameaças, mas... Estava convicta de suas palavras. As vezes parecia querer arremessar algo no atleta adversário. Sempre contida por um dos heroicos cunhados que acenava para o irmão e a possível vítima.
Andava de um lado para o outro. Raramente sentava.
Mas, tudo mudava quando ouvia o barulho da rede.
Tudo mudava quando percebia que em meio aquele monte de marmanjos, uma figura familiar, rasgava o campo em sua direção. Com os braços abertos e o olhar apaixonado a procurando.
Transfigurava. Ficava amável outra vez.
Derretia-se em meio as declarações apaixonadas sob o olhar dos demais.
Naquele momento tudo se acalmava.


domingo, 12 de janeiro de 2020

Menino abusado

Jogo da copa Cambélon 2017, campo do Maria Lúcia.
Fotografia: André Camargo Lopes

- Vou começar jogando?
Não entendemos a pergunta e continuamos o aquecimento.
Mas o indivíduo era persistente, e tornou a perguntar.
- Vou começar Jogando?
Era uma pegunta estranha para início de temporada.
Acabara de entrar no elenco.
Inserido no grupo de Whatsapp do time, brincou, resenhou e até deu palpite. Parecia que realmente estava acreditando naquilo que ali ocorria. Levou a sério. Tem jogador que acredita em resenha de Whatsapp.
Falaram que está voando, e acreditou. E pior, foi para ousadia, queria derrubar o titular de carreira atropelando a fila dos reservas. Não entendia o jogo da resenha. No grupo, fala-se o que quer. Lava-se roupa suja, provoca o companheiro para ver o que aguenta.
Mas ele não.
Acreditou e foi para cima da diretoria.
Queria saber se iniciaria a temporada como titular.
Em seu segundo jogo.
Os donos da posição ficaram ofendidos.
E digo, titular ofendido não sai de campo.
Fica.
Nem que for por pirraça. Mancando, saltitando.
Mas fica. E a cada tapa, dá uma olhadinha para o lado, só para provocar.
Mas, o indivíduo não tinha limites, era ousado.
Com ele não tinha conversa.
Já estava no campo.
Colocou o uniforme o correu para o aquecimento.
Bateu bola com o pessoal, já se considerava o titular da posição.
Aqueceu.
Chutou a gol. Alongou. Deu saltinho e arrancou. Estava pronto para a partida.
Se posicionou na sua e lá ficou. Esperando a organização final da equipe.
Quando viu que estava sobrando. Começou a suar. Olhava para um lado e para o outro, inadvertidamente. Ansioso, não aguentou.
Perguntou outra vez: "E ai, vou para o jogo ou espero?"
É como se não estivesse satisfeito com a ausência da resposta.
Não precisava nem falar.
Os titulares já estavam em campo.
Apenas olhamos.
E sem resposta sentou.
Sentou e não gostou.
Fez até gol.
Mas a várzea não é o Cartola.
Jogou.
Não convenceu, e sentou.