quarta-feira, 2 de março de 2022

A mensagem cabulosa




Uma coisa que aprendi com o futebol é que quem entra em campo não gosta de ser esquecido, ainda mais se o esquecimento for na mídia. Aí, o sujeito fica magoado.

 Recentemente, fui convidado para participar de um programa esportivo local. Pauta boa, mais de uma hora de resenha. futebol, fotografia e educação. A conversa rendeu, compartilhei o link do programa com os amigos, esse foi o meu erro. Imagina a confusão.

Teve sujeito que não assistiu e criticou. Outro que ficou colado no aparelho celular por mais de uma hora, e se sentiu ofendido por não lhe dar destaque. Alguns foram no embalo, "se fulano falou que não falou, eu concordo e ficou puto". Mas, o pior estava por vir. Compartilhei o material em um grupo de amigos, aqueles das antigas. Para explicar do que se tratava mandei um áudio.

- Pessoal, participei lá do programa, falei do nosso antigo time do Grilinho. Lembrei de todo mundo ai, Principalmente do grande zagueiraço Claudiorico Sossego. E não podia faltar o Zé Bagaça...

O estrago estava feito. O cara nem assistiu a entrevista já soltou o áudio.

- Então Indião nesse time aí só tinha o Zé Bagaça e o Sossego então? O resto da rapaziada não existia então? Só jogaram os dois então? Aí você está de brincadeira...

E ainda fechou o áudio dizendo: Isso não é uma crítica, é uma observação só. Para ser sincero, parecia mais um ultimato. 

Para remediar e acalmar a fera, mandei o minuto da entrevista em que abordava a equipe. Queria que visse o carinho que dispensei ao pessoal. Não teve jeito. Logo apareceu um terceiro que já enfiou gasolina no fogo.

- kkkkkkkkk. Observação rapaz, era um time de dois.

O homem saiu de si, virou uma fábrica de áudios. Nunca, em quatro anos de grupo, houve tanta agitação. E tudo. Tudo por causa de uma entrevista que o pessoal não havia assistido. Sequer deram a chance à dúvida. 

- Ei Zé, então era um time de dois né? Então tá bom. Quantas vezes eu te consagrei hein? Mas tá bom, é isso ai mesmo, tá valendo.

Sequer molhou o bico e soltou outra. O sujeito realmente estava magoado.

-  eu sempre dava trabalho né? Vocês "lembra" que tinha o terno que dava trabalho? Então é por isso né? Dava trabalho mas comparecia lá na hora do bicho pegando comparecia. Mas, tá bom.

Estava em um misto de decepção e raiva a ponto de não reconhecer um de seus interlocutores. Quando descobriu já foi logo se desculpando.

- Oh, Polaco desculpa. Eu nem sabia o seu nome. A gente sempre te conheceu por Polaquinho. Jogava muito também. Mas, é isso aí mesmo, eu não estou com ciúmes de ninguém. eu não tenho ciúmes nem de mulher, vou ter ciúmes de peão. Vai te lascar...

E já soltou outra: eu não joguei no time do Grilinho não. Eu joguei no time do Violin, do time nosso ali. 

Aí virou tudo. Durante anos, nos identificávamos como o time do Grilinho. Sequer podíamos mencionar Violin na rádio, ou na Liga. O time havia sido banido. Nos anos iniciais, era o Time da Quilombo dos Palmares, da Escola de Samba. Tempo depois, o time do Rogério, até desaparecer.

Mas a conversa não acabou, o homem estava bravo. foi interrompido por um dos membros.

- Eu também não joguei no time do Grilinho não. Eu joguei com você, com o Cristiano, Com o Zé, com o Indião. O time era bom. 

Não aguentou, cobrou o seu lugar ao sol.

- Eu também tenho muita história. Joguei no Sol. Grêmio Literário, Fazenda Berardi e por aí a fora. Mas, faz parte, eu também não joguei no Grilinho não. Um dia nós "se encontra" e bate um papo. Falou.

Nesse momento faziam uma resenha que há muito não se via, passaram a revisitar o passado, e percebia nas palavras o saudosismo. 

- Então Polaco, é você lembrou das fazenda aí. Eu também joguei numas pá de lugar aí. De fazenda, desses "baguio" aí, mas é que a gente não teve prosseguimento no "baguio" né. Já jogamos com jogador que hoje está na mídia, mas na verdade.,. Isso era tudo história nossa. dentro do Jardim do Sol, meu irmão do céu, o pau caia a folha.Caia folha bonito. Mas, tamo junto. Um dia nós se tromba aí.

Nesse momento, entra um outro membro e já solta uma.

- Tá de fogo rapaz?

Para irritar deixa-lo mais irritado, o provoquei, lembrei de seu Palmeiras e reforcei a fala de que estava de fogo e enciumado. Pois, afinal de contas estava criticando o que não viu.

O saudosismo passou rapidinho. O homem ficou uma fera. 

- Você errou hein. Não estou bebendo desde as cinco da manhã não. Estou bebendo desde as três da manhã. Você já começou errado tá vendo? E é o seguinte, o melhor zagueiro que eu já vi jogar foi você veio. Sabe porque? A cada enxadada era uma minhoca que saia. Com você não tinha boquinha. Alá Lugano da vida. 

Riso geral. Mas cortou rápido.

- Ei Índio, nós não gosta de Mundial. Você já deve entender, nós não curte Mundial. Nós gosta só de ganhar Libertadores, Brasileiro, Copa do brasil e tudo isso daí. O Mundial não interessa pra nós. Pode zoar nós aguenta borrachada.

Riu e voltou a falar sério.

- Mas eu ainda continuo dizer. Você foi o melhor zagueiro que vi jogar. Jogar não né, Debulhar. Você era aquele zagueirão raiz né? Salve-se quem puder. E quando estava chovendo então, era só alegria. O Sossego jogou muito era aquele sossego dele. Até para bater nos caras tinha dó. Agora você? Não tinha dó não. Vá te lascar.

Em meio a análise crítica de seus antigos companheiros de defesa, aparece nosso antigo atacante, e já solta uma.

- Neste time não tinha atacante.

O homem já estava virado na raiva de não ter seu nome dito naquilo que ele sequer assistiu, apenas ouviu o áudio que enviei junto com o material, e com essa, voltou a pegar ar.

- Então Ricky só tia zagueiro nesse time aí, vai vendo a patifaria que tá.

Polaquinho que estava quieto só esperando a deixa, solta mais uma.

- É não tinha atacante nesse time. Nem meio de campo tinha. Era só zagueiro.

Incrível. Os três estavam fazendo uma crítica de um programa que sequer havia aberto o link. Não viram, deduziram o conteúdo por um áudio que homenageava nosso zagueiro Claduirico.

Eis que surge um outro relembrando meus velhos carrinhos.

- O time não vencia para fazer  calção pra ele. Era um carrinho e já rasgava.

- Por isso que falo que o Indião era zagueiro raiz. Raiz de grama nem o calção aguentava.

Em meio a conversas atravessadas, aparece um sexto membro. Dá um salve geral. Já foi interrompido por nosso atacante que indignado com a entrevista que não assistira, cobrava o reconhecimento imediato de todos. O homem, tomou-se em razão e ignorou a conversa atravessada dos outros membros. Naquele momento, selecionava o que responder.

- É isso aí, você falou tudo. É isso ai mesmo. Tem que lembrar de todo mundo. Todo mundo se fodeu. Todo mundo passava uns perrengue. E pensa num perrengue que nós passava. Era vaquinha daqui. Vaquinha dali. 

Com um dos membros do grupo na final do Camisa 8, a conversa mudou de rumo por alguns minutos. Era um pessoal reclamando de não ter mais condições de jogar por estarem acima do peso ou sem condicionamento. Outros querendo o local para irem acompanhar. A resenha parecia ter mudado de ruma. Mas, um havia sumido da converso por volta de uns dez minutos. e voltou.

- Mas é verdade sim Indião, vi lá sim. Meu atacante matador. Sei que esses caras metia o fumo né mim lá né meu. Que tinha que deixar o goleiro deitado no chão, mas... Naquele tempinho o baguio era louco.

Mais calmo, e parece que haviam lhe dito que não tinha esquecido dele e nem de nenhum dos demais. Retoma a homenagem que fiz no áudio da discórdia.

- Mas, o Indião levantou a bandeira do Sossego. O Sossego era um cara que jogava mesmo. Isso aí, eu não tô puxando o saco de ninguém que eu não sou de puxar o saco de ninguém não. Mas, o Sossego, sério mesmo. Ele era o estilo... Vocês podem até duvidar. Ele era estilo aquele Mauro Galvão. Quem viu o Mauro Galvão jogar? Nâo batia em ninguém e só tomava na manha. Só nos atalho. Na malandragem. Jogou muito. eu não tenho nem o que discutir.

Toda vez que a guarda baixava, surgia os momentos saudosistas. Afloravam as memórias de um tempo longínquo dos idos de 1990.

- Concordo. Mas, na verdade aquele time nosso era muito bom. Muito unido. Um time muito raçudo. Muito bom. Tanto o de suíço. Muito mais o de salão. a gente bagaçava. Na quadra do Violin não tinha pra ninguém, só dava nós.

- Na quadra do Violin nós mandava. Quando via que não tava aguentando mais , nós afrouxava pros caras entrar. Mais de vinte time esperando. Meu Deus do céu. Oh tempo bom. Hoje você vê essas quadra aí vazia né meu, dá desgosto que a molecada não quer saber disso aí mais.

- Esses dias eu estava na feira, e trombei com um dos dois irmão que morava lá na esquina perto da quadra. Um que jogava na linha o outro no gol. Um fala que até hoje não pode me ver. que tem raiva de mim até hoje. Um dos irmãos que catava no gol.

- Mas, aí é foda, você deitou e rolou nos cara. Que isso, você zoava os caras, o cara deitado no chão e vê... O goleiro mesmo dava dó. você está falando do terno lá da esquina né?

- Aí fazia as trapalhada. O Zé e o Sossego ficava louco por que eu não fazia gol logo.

Passada a resenha toda, a raiva de uns que não assistiram a entrevista, e talvez, não assistirão. A alegria daqueles que se viram lembrados pois foram, por curiosidade, verificar o trecho indicado. Segui minha rotina. Chuteira na mochila e vamos embora. Por volta das dezenove horas, eis que vejo entre tantas outras mensagens atravessadas, uma específica. Era o grande Cladiorico, nosso zagueiro clássico.

- O cara ficou bravo contigo malandro. Tá bravo até umas horas. Te agradeço demais que isso rapaz. Parceiro é parceiro. Te agradeço mesmo de ter lembrado da gente. Do nosso time das antigas. E tamos aí.

E não é que o cara ficou online o dia todo. As dezenove horas e trinta e cinco minuto, fechou a noite e soltou.

- Eu num tô bravo não mano. eu só tô falando a real do que rolou no grupo aí veio. Porque só lembra de um, dois, três e o resto nenhum presta. Nós todo mundo sofreu. E outra, quantas caminhadas nós fez? Mas eu não tô bravo, não só meio que descarregando. E você jogou demais. Era o Mauro Galvão da vida. Belê? Fui.

Realmente não assistiu. Talvez nunca assistirá, e não me verá descrevendo cada atleta do elenco. Contando nossas histórias. Mas, como ele mesmo repetiu várias vezes. Faz parte.