sábado, 4 de abril de 2020

#o_jacare_nao_pode_acabar


Em épocas de campos fechados as redes sociais nos enchem os olhos.
Hoje em meio a um turbilhão de atividades de trabalho, eis que percebo uma notificação em meu aparelho celular.
Era um vídeo curto, enviado por um amigo que sabedor de minha admiração pelo atleta, resolveu presentear-me com trinta e nove segundos de nostalgia.
O compartilhamento original,  entregava a intenção do conteúdo. Parecia alertar o destinatário para o qual direcionava o post. Era quase uma manchete

"Repórter sem medo de fazer o trabalho dele, zagueiro, zagueirando e polemizando na entrevista".

Soava como uma crítica a todo um sistema esportivo praticado a partir de perguntas ensaiadas. De atletas orientados por especialistas em imagem. Parecia se sentir justiçado.
No olho do furacão e com cara de poucos amigos, o lendário zagueiro João Neves, pesadelos de muitos atacantes que cruzaram o caminho do Londrina nos idos de 1990.
Estava desolado. E não era por menos, acabara de ser expulso. Considerava aquilo uma verdadeira injustiça.
O atacante saiu ileso.
E mesmo assim, fora expulso.
Era perseguição da arbitragem. E isso parece que seguiu-lhe por toda a carreira.
Se o João está em campo, prepara os cartões.
Mas o lance que irritara o zagueiro?
Em sua leitura, foi apenas um carrinho motivacional. Daqueles que anima o trabalhador que procura na partida de futebol uma distração para os seus desencantos.
Mas o vídeo é cruel e comentado.
Mostra-nos a vinte seis anos após o lance que João não escutou o professor.
Não o técnico da equipe profissional.
Esse não. Macaco velho olha treinador por baixo. Faz que escuta e toma linha.
O professor do terrão. Da escolinha.
Um carrinho próximo a linha de fundo? Não pode.
Mais foi. No gol dos portões do hoje silencioso Vitorino Gonçalves Dias.
A vítima?
Um ponteiro de nome Niltinho. Talvez o momento solene de sua carreira tenha sido essa falta.
E reconheço, até com certa admiração. Como saltou!
A cena é forte. Não sei como o Facebook permitiu que viesse aberta. Deveria ter recomendações para os ânimos fracos. Mas justifica o substantivo transformado em verbo.
Zagueireou no bote e na entrevista.
Era uma bola morta. Bola em linha de fundo.
Nessa área do campo, diz o manual e a prudência que se evite o contato.
Mas devia ter torcedor pedindo para o bom João deitar um corpo por ali.
Foi o que ele fez.
Zagueiro quando é zagueiro. Deita.
Deita ou voa.
E João Neves fez os dois.
Planou e deslisou.
E o árbitro? Esse não.
Mandou o xerife para o banho mais cedo.
O camisa três saiu envolto de jornalistas. Todos, esperando uma palavra para a primeira página da gazeta.
E veio.
Veio na ação rápida e astuta, e porque não corajosa do grande Rubens Cabral, o típico repórter de beira do campo.
Esse sim entende a pressão no gramado.
Sabe como falar e a hora de perguntar.
E perguntou.
Perguntou o que tinha que se perguntado.
Mas perguntou.
E os demais? Só ouvintes e de gravadores ligados.
E de cabeça quente, João soltou um fora do script. "Elogiou" o árbitro. Até tentou sair. Teve seus segundos de bom senso.
Mas, o astuto repórter lhe provocou. Sabia onde cutucar.Mexeu-lhe no ego.
E veio a pérola. como o olho brilhoso como que se por aquele segundo de lembrança voltasse-lhe a felicidade. Fitou a torcida do canto da pipoca, e justificou o carrinho.
 - É para levantar a galera.
- Levantar a galera?
Perguntou-lhe o repórter.
E João lhe emendou um complemento.
- Mas a seriedade tem que ser acima de tudo.
E voltou a "elogiar" o árbitro.
Pasmo com o que viu, e com o que acabara de escutar, o repórter insistiu.
- Mas você viu o tamanho do jogador?
E João, do alto de seus quase dois metros de altura, ainda de cabeça quente soltou o que todo varzeano diz.
- Não importa o tamanho, está dentro de campo tem que aguentar o tranco.
Ao proferir as palavras, rumou para o vestiário.
Assisti o vídeo várias vezes e compartilhei
#o_jacare_nao_pode_acabar

2 comentários:

  1. Meu caro amigo André, seu texto nos transporta no tempo colocando-nos como expectadores daquela partida e vislumbrando o lance do jogo. Parabéns pelo seu texto e articulação. Mas convenhamos faltou o vídeo do lance para que possa se completar em cores aquilo que vc descreve. Grande abraço e mais uma vez parabéns por compartilhar conosco seus valiosos textos. Marcelo.

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    1. Obrigado Marcelo, quando puder disponibilizou o delicado lance do grande João Raça Neves.

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