sábado, 5 de outubro de 2019

Vingadores

Bruno, um dos melhores atletas da 5°Copa Piottão de FUT3.


Foi o jogo perfeito.
Era o que todos diziam após a partida.
Não teve espaço.
Tudo foi decidido milimetricamente.
Foram semanas de estudos.
Nunca os vi tão aplicados.
Debatiam em todos os espaços. Havia virado rotina.
Tempo vago.
Lá estavam os 3. Reunidos.
Debatendo a melhor tática.
Obcecados com o jogo, chegavam a ser cansativos.
Todos os dias. Sem tirar nem pôr. Diziam a mesma coisa:
- Temos que marcar. A gente marca os caras e joga por um gol. Apenas um golzinho.
Diziam os mais concentrados, receosos com possíveis contra-ataque.
Buscavam referências.
- Tem time que joga assim, meu pai falou que  a Inglaterra era assim.
- Isso. Vamos jogar como o Corinthians.
Diziam.
Foram dias a fio.
Reuniam-se em todos os espaços. Todos mesmo.
Eram intermináveis as conversas de banheiro.
Quem disse que futebol não educa.
Aplicavam conceitos e jargões novos para o seu repertório futebolístico.
Escutávamos pelos corredores as muitas estratégias do grupo.
- Tem que fechar no facão. Um fecha outro dobra.
- Chuta na mureta. Vamos explorar o rebote.
- Eu puxo. Vocês chutam em mim. Chuta que garanto.
Por dias foram tomados de um boleires invejável:
- Quem corre no campo é a bola. Se correr atrás, está errado.
- Dá o tapa é acelera no pai.
- Jogador bom não pede licença.  Passa por cima.
Foram longos os dias que antecederam a semifinal, não pensavam e nem falavam de outra coisa.
Afinal, era jogo de semifinal. Não poderiam bobear.
Estavam a um  degrau da grande final. Não tinham lutado até ali por nada.
Na véspera do jogo, como verdadeiros estrategistas, ainda estavam lá. Reunidos.
Definiam e redefiniam o plano de jogo.
Não poderia haver espaço.
Não poderia haver espaço mesmo.
Entre uma brincadeira ou outra, admitiam a superioridade técnica do adversário. E contavam com isso. Sabiam que isso poderia ser um ponto a favor. Pois time bom relaxa, não estuda o adversário.
Estavam invictos. Tinham o artilheiro do campeonato. Tudo conspirava contra.
Mas, havia um plano.
- Vamos jogar no erro.
E jogaram.
E não tardou muito para dar certo. Forçaram o erro e ele veio. Não do pé de qualquer um, mas do craque do campeonato, que tomado de uma soberba sobre-humana, resolveu sair driblando por dentro da área.
Batata.
Bobeou.
Bastou um totozinho na bola. E lá estavam todos.
Comemorando.
Sentindo-se mais próximos da finalíssima.
Vieram outros dois gols.
Um banho de água fria nas esperanças adversária.
Nem o gol de honra no apagar das luzes silenciou o alarido da vitória.
Estava selado o destino.
Já eram finalista.
Se preparam para isso.
Como se preparam.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Bolinho




Uma partida que não terminará, anuncia-se no começo. 
Começa tensa, soltando faísca. 
A cada encontrão, um mergulho, um joelho dobrado, um salto e um ai.
Tem jogadores que se aventuram na cena. Giram para todos os lados. Caem e levantam os braços já olhando desesperadamente para o árbitro.
Quando começa assim, não tem jeito.
é um show de saltos e gritos.
Para toda dividida uma queda. A cada queda, um murmurinho. Um empurra-empurra. Os mais exaltados entram na onda do não me toque que estou bravo. Está feito! 
Inevitável, formou-se o bolinho.
Chegam em bandos. Dois, três, quatro e assim vai.
A primeira vítima é sempre o árbitro. 
Uns apelam para o encontrão.
Cara feia. Olho no olho. Chega ser quase uma dança.
Outros despejam a saliva esbravejante na narina do pobre assoprador. 
Falam cuspindo. Em algumas situações, percebe-se a cana atravessando o ar. Um cheiro de fígado sobrecarregado na véspera da partida.
Montou o bolinho. Aguenta. O jogo fica chato. 
É torcedor reclamando de tudo fora do campo. Alguns até correm por toda a lateral do campo. Marcação cerrada no árbitro. Garante na insistência que tudo ocorrerá conforme suas regras. 
No campo tem jogador que reclama até de falta a favor. Imagina as faltas contra e as não marcadas?
O assoprador sofre.
É o tempo todo.
Deu.
Reclamam.
Não deu.
Bolinho.
Há diversos tipos de bolinho.
Há aqueles que querem intimidar. Sempre tocado pelos valentões de plantão.
Colam no adversário. Falam alto. Muitos até gritam.
Alguns parecem concorrer com a intensidade de suas lamúrias.
São verdadeiras lavadeiras do gramado.
Juntam a esses torcedores mal-intencionados e insatisfeitos. Geralmente esses bolinhos se desmancham com a turma do deixa disso, ou nos limpa-trilhos. Quando isso acontece sobra braço para todo mundo.
Existem aqueles bolinhos chatos, o da turma de sempre. Toda partida de futebol existe o grupo dos chorões, esses são figuras inevitáveis no futebol. Vitimizam-se. São os perseguidos em campo.
Tem os bolinhos dos argumentos furados. Tudo é queixa. Mostram a hipotética lesão para a torcida, para o árbitro, para o adversário, tiram foto e postam no Instagram.
Mas, no futebol de várzea, o bolinho clássico é no árbitro mesmo. O assoprador, é a vítima preferida dos chorões de plantão. Esse, sempre sozinho. Conta com a sorte e com a boa intenção de alguns menos exaltados.
Bolinheiros destetam cartão.
Quando recebem. Ficam inconformados.
Xingam, vão pra cima. Alguns até choram.
Tumultuam o espaço.
Gostam de ser o centro da atenção.
De terem razão.
Quando isso não acontece. Abaixam a cabeça e saem do campo sem olhar para trás. Ameaçam abandonar o clube. Pois se dizem traídos. Sempre na esperança que alguém lá de fora lhe dê razão.
Mas não tem jeito na outra partida estão lá tal como os pé de galinha que crescem nos gramados.

domingo, 19 de maio de 2019

Sem heresias, por favor.



Tenho minhas convicções.
E uma delas é não rezar antes ou durante as partidas de futebol.
Faço figa roo as unhas. Mas rezar.
Isso não faço não.
Não faço mesmo.
Seria uma heresia.
Muitos me questionaram sobre esse posicionamento, mas tenho por hábito manter minhas convicções.
Todo jogo, minutos antes de entrarmos em campo, faça chuva ou faça sol. Sempre tem o puxador de oração do elenco que reúne o grupo no centro do gramado para a tradicional oração da partida.Tem jogador que não briga por uma úncia bola em campo, mas se não tiver oração, se recusa a entrar em campo.
É a mais pura manifestação de fé. Dos dois lados, é claro.
Alguns atletas realmente acreditam que ganharão o jogo rezando mais alto que o adversário. Alguns chegam a entrar em transe.
A fé do atleta é medida por sua posição.
Quanto mais exposta a posição do indivíduo no campo, mais fervorosa suas preces.
Acredito que alguns rezam para batermos menos lá trás.
Atacante e meia até parecem que estão em cultos.
Com os pulmões cheios. Fecham os olhos e clamam.
Alguns lembram ao Bondoso Deus que na segunda-feira é dia de labuta.
A fé também é medida por fases do clube.
Quando a fase está ruim, tem rosário no meio da roda, jogador de olhos vibrando e até improviso nos versos da prece.
Mas quando a fase está boa, aí vem a trairagem. Nosso Senhor sequer é lembrado.
Não é fácil ser coerente. Fazem de tudo para lhe desacreditar em suas convicções.
Já participei de reuniões em que se debateu se deveríamos rezar antes e depois do jogo. E sempre tem o oportunista que questiona se podemos inserir mais uma oração para fechar a corrente.
O fato é que não sou herético.
O Felipe Melo sim.
Eu não.
Não rezo mesmo.
Isso é caso decidido.
Não rezo e todo atacante sabe o porque.
Nas orações, tenho por hábito contar o número de adversários enquanto oram.







sábado, 20 de abril de 2019

Hoje eu "se" consagro



O que passa na cabeça de um jogador nos metros finais de uma arrancada perfeita?
Zagueiro ao chão.
O volante já esbaforido, como que aceitando o desfecho da jogada.
São poucos passos que faltam.
Uma arrancada perfeita.
Da intermediária.
Talvez, a cada passo, o som dos gritos apaixonados da torcida.
Os abraços fraternais de seus companheiros de equipe.
O som da rede.
A sua frente apenas o goleiro. Os olhos em desespero, dilatam-se para a bola. Indeciso sobre a direção do chute ainda não armado. Corpo tenso. Arqueado. Mãos trêmulas e espalmadas.
Uma arrancada perfeita.
Os passos de sua corrida eram ensurdecedoramente escutados por todos.
Por alguns segundos deixamos de respirar.
Era a certeza do gol.
Posicionamento frontal. Na marca do pênalti.
Inevitável. Foi uma arrancada perfeita.
Muitos dirão que driblou meio time antes do arremate fatal.
Outros que se desvencilhou dos melhores marcadores.
As histórias se confundirão com as paixões.
Qual será a sua história desta arrancada?
Mas, o que passa na cabeça de um jogador neste metros finais, no momento do chute?
Não de um chute qualquer. Um chute digno de sua arrancada.
A bola fora roubada na intermediária. Uma corrida em diagonal.
Inesperadamente perfeita, em um jogo tenso e de marcação pesada.
Braços e pernas pareciam foices que arranham o ar e a grama.
Seu corpo durante vinte. Trinta metros. Ou quase isso. Esgueirou-se. Ora em força. Ora na mais pura habilidade.
Arrancou com a força de sua juventude.
Correu. Como correu!
Mas entre o ímpeto do jovem atleta e o gol, havia uma chuteira velha. Gasta por partidas repetidamente disputadas.
Em seu momento derradeiro. Ao alavancar o corpo para chute, eis que o destino lhe traí.
Ou melhor. Suas chuteiras.
Do gol como vista final, em menos de um segundo, os céus.
Literalmente os céus.
Foi um tombo. Limito-me a isso.
Um tombo
Mas, o que passa na cabeça de um jogador no momento do chute que não deu?
O som do pé contra a bola?
O som do salto do goleiro?
A bola que se esfrega na rede?
Nada disso lhe consolou.
Foi uma arrancada perfeita.
Sobrou-lhe apenas a grama.







segunda-feira, 11 de março de 2019

A lei da reciprocidade

fonte: https://www.ludopedio.com.br/futebol-arte/carrinho-8/
fotógrafo: Jorge Zubillaga 

Se há um lugar onde a Lei da reciprocidade é aplicada, esse lugar é a várzea.
Não há pontapé sem revide.
Todo tapa tem um complemento. Tudo funciona dentro da ética futebolística.
É consenso nos campos: bateu... Aguenta apanhar.
Na várzea, quando se começa uma partida batendo, é importante ter opinião e sustentar a posição até o final. Mesmo que esse seja antecipado. 
Mas tem que se ter opinião.
Bateu no primeiro, já dá no segundo para impor o respeito.
O problema deste tipo de jogo é o efeito dominó que causa.
É comum em jogos disputados em seu ápice de virilidade algum atacante que se sinta maltratado pelas travas do marcador gritar para seu zagueiro de confiança:
- Oh fulano, bate ai que aqui os caras estão descendo a lenha.
Geralmente solicitam os serviços aos tipos mais simpáticos que carregam alcunhas cravadas a unha.
Tonhão. Baiano. Bagaça. Didão, Trinca Osso, Banguela... Uma infinidade de aumentativos e superlativos que comprovam e valorizam os tipos físicos e suas respectivas disposições para o ofício.
Esses já assustam alguns na sombra que projetam no campo.
Mas têm os "migué". Os tipo franzino que mal aguentam um tapa, mas narram a partida. 
Começou a confusão, são os primeiros a fazerem a fumaça.
Jogam o tempo todo na cabeça do adversário:
- E ai parceiro, poderia ter deixado o pé.
-Leu o número da chuteira?
- Levanta que só começamos.
-Passou a mão na boca porque? Nem saiu sangue.
É o tal "jogo no psicológico". Só para ver se treme.
E tem jogador que fica igual a bambu. Alguns do nada saem do jogo.
Têm até crise de pânico.
Dizem que zagueiro e volante não têm juízo. Batem para ver o tombo. Sempre considerei essa colocação uma injustiça com o ofício.
E foi numa destas que presenciei algo improvável.
Depois de um atropelo no meio de campo. Daqueles de formar bolinho. 
Posicionava-me na marcação dentro da área, quando ouvi uma voz fraca e trêmula me chamar.
Um som abafado, meio encabulado.
O sujeito estava pálido, compunha a base da barreira.
Chamou-me uma ou duas vezes. Não lembro.
O que lembro foram suas palavras. Quase uma súplica em desespero:
- PENSA EM NÓS... EM NÓS.
Parecia prever o que estava por vir.
Apanhou uma.
Duas.
Três.
Era incansável o botinudo que lhe descia o sarrafo.
Minutos depois, lá estava ele, sentado à beira do campo com o tornozelo inchado e continuava a queixar-se:
- POXA, QUANDO FOR BATER, PENSA EM NÓS...