segunda-feira, 11 de março de 2019

A lei da reciprocidade

fonte: https://www.ludopedio.com.br/futebol-arte/carrinho-8/
fotógrafo: Jorge Zubillaga 

Se há um lugar onde a Lei da reciprocidade é aplicada, esse lugar é a várzea.
Não há pontapé sem revide.
Todo tapa tem um complemento. Tudo funciona dentro da ética futebolística.
É consenso nos campos: bateu... Aguenta apanhar.
Na várzea, quando se começa uma partida batendo, é importante ter opinião e sustentar a posição até o final. Mesmo que esse seja antecipado. 
Mas tem que se ter opinião.
Bateu no primeiro, já dá no segundo para impor o respeito.
O problema deste tipo de jogo é o efeito dominó que causa.
É comum em jogos disputados em seu ápice de virilidade algum atacante que se sinta maltratado pelas travas do marcador gritar para seu zagueiro de confiança:
- Oh fulano, bate ai que aqui os caras estão descendo a lenha.
Geralmente solicitam os serviços aos tipos mais simpáticos que carregam alcunhas cravadas a unha.
Tonhão. Baiano. Bagaça. Didão, Trinca Osso, Banguela... Uma infinidade de aumentativos e superlativos que comprovam e valorizam os tipos físicos e suas respectivas disposições para o ofício.
Esses já assustam alguns na sombra que projetam no campo.
Mas têm os "migué". Os tipo franzino que mal aguentam um tapa, mas narram a partida. 
Começou a confusão, são os primeiros a fazerem a fumaça.
Jogam o tempo todo na cabeça do adversário:
- E ai parceiro, poderia ter deixado o pé.
-Leu o número da chuteira?
- Levanta que só começamos.
-Passou a mão na boca porque? Nem saiu sangue.
É o tal "jogo no psicológico". Só para ver se treme.
E tem jogador que fica igual a bambu. Alguns do nada saem do jogo.
Têm até crise de pânico.
Dizem que zagueiro e volante não têm juízo. Batem para ver o tombo. Sempre considerei essa colocação uma injustiça com o ofício.
E foi numa destas que presenciei algo improvável.
Depois de um atropelo no meio de campo. Daqueles de formar bolinho. 
Posicionava-me na marcação dentro da área, quando ouvi uma voz fraca e trêmula me chamar.
Um som abafado, meio encabulado.
O sujeito estava pálido, compunha a base da barreira.
Chamou-me uma ou duas vezes. Não lembro.
O que lembro foram suas palavras. Quase uma súplica em desespero:
- PENSA EM NÓS... EM NÓS.
Parecia prever o que estava por vir.
Apanhou uma.
Duas.
Três.
Era incansável o botinudo que lhe descia o sarrafo.
Minutos depois, lá estava ele, sentado à beira do campo com o tornozelo inchado e continuava a queixar-se:
- POXA, QUANDO FOR BATER, PENSA EM NÓS...