terça-feira, 1 de junho de 2021

O camisa 10

 


Era o dono da bola.

Não aceitava ser contrariado.

Havia comprado tudo. O uniforme, a bola e fazia questão de pagar sozinho o campo. 

Como contrapartida, queria a 10. Tinha uma obsessão por essa camisa. Com ela, sentia-se completo. Era do meio de campo que gostava de fazer o jogo acontecer. E no começo, até fazia.

Jogava bem. E sabia disso. Distribuía a bola, conhecia os craques da equipe. 

Seu ego crescia a cada gol. A cada comentário que vinha da beira do campo.

Do campo que ele pagou.

Por muito tempo, a 10 foi aplaudida por torcedores apaixonados e eufóricos. 

O time era o 10.

Todos os torcedores o amavam. Adorava ser aplaudido. 

A cada temporada, um novo elenco. A torcida mal aprendia o nome do atleta, e na temporada seguinte não estava mais lá. Mas a rotina se mantinha. 

Sua bola.

Seu uniforme.

Seu campo.

Sua 10.

Suas regras.

Havia os que discordavam. Mas a 10 ofusca. Aliás, passado um tempo, passou a assustar.

Já não não distribuía a bola com a precisão que tinha. Passou a prende-la.

Era a sua bola.

Passou a brigar constantemente com a sua equipe. 

Sentia-se só. Traído. 

E continuava a não passar a bola. 

Os aplausos da beira de campo viraram comentários. Os comentários, viraram críticas. E com as críticas toda a sua trajetória foi se apagando. Pois, não passava a bola.

Assim como na vida, no campo tudo tem um limite, e vieram as vaias.

Toda vez que tocava na bola era perseguido pelo alarido das margens. 

Era soar a primeira vaia e já se desconsertava, irritado, dizia que seria aquela a sua última partida.

Na outra semana estava de volta, com o uniforme novo, as bolas e o campo pago. 

Sabia tocar a bola. Porque não tocava?

Era o que todos pediam.

Era o que as vaias induziam com a sua insatisfação.

Os companheiros de equipe, atônitos os via errar jogadas simples, coisa que jamais erraria em seus tempos douros. Mas errou. 

E com isso, outra vez foi vaiado. Não aguentou, em seu campo! Ninguém, nem o Papa o ofende. Colocou todos para correr. 

Os jogos começaram ficar vazios, sem graça. Perdiam partidas fáceis. Já não tinha mais resenha. Muitas vezes, os companheiros sequer entravam no vestiário. 

Por um tempo esteve lesionado. Os companheiros em solidariedade, não usaram a 10. Guardaram-na. Esperavam o seu retorno. 

Mas pintou um 14. Rápido. Estava afim de jogo, passava a bola e corria para virar opção. Voltaram a vencer. 

Ganharam uma.

Duas. 

Três. 

Na quarta partida ele voltou.

E a bola voltou a prender em seus pés.



                                                                                                 Londrina, 01 de junho de 2021