sábado, 8 de fevereiro de 2020

O Belo


O futebol e seus musos. De Renato Portaluppi, Paolo Maldini a David Beckham. Criaturas de encanto invejável que percorreram os gramados internacionais despertando os desejos mais profundos do público feminino. Fico a pensar como deveria ser difícil caminhar ao lado de tais criaturas. De lidar com a invisibilidade. Para ser franco, de suportar a inveja.
Alguns, mais despeitados, apoiados por tantos outros temerosos de tais criaturas, dizem que  beleza destes atletas é hiperdimensionada pelos veículos de comunicação. São duros com suas palavras. Chegando ao ponto de colocar em dúvida suas masculinidades. Assumem o consenso de que tudo não passa de uma edição de imagem.
E como consolo, minimizam o universo feminino, afirmando que as mulheres se encantam por qualquer propagandas.
Mas nada. Nada do teçam, dará conta de tal despeito.
Tais comentários chegam a ser toleráveis nessas maldosos bocas mortais.  Pois ídolos são seres distantes. E quando belos, inatingíveis.
Se tudo é propaganda, como explicar os musos da várzea?
Nos campos não televisionados.
Campos onde a beleza é tabu.
Que ser alinhado é estar com um bom corte de cabelo e sem cheiro de álcool da noitada anterior.
Os tempos mudam.
Futebol virou lazer de família.
A beira dos campos até parece piquenique. Tem cooler, energético, protetor solar e muita gritaria.
Vai namorada, prima, amiga, irmã, todas uniformizadas com a camisa do clube.
Gritam, oram e xingam.
Muitas se aventuram em estratégias de jogo.
Mas algumas,mesmo comprometidas se deslocam aos campos mais distantes, para acompanharem seus musos.
Uma verdadeira devoção.
Recentemente tenho presenciado um fenômeno, que despertou o interesse de tal público, a ponto de levar até mães de atleta à fidelidade das beiras de gramados.
Um legião o acompanha, de entendidas de futebol, a torcedoras de família.
Os bares ao lado dos clubes esvaziam-se com sua presença.
Esse fenômeno tem nome e desfila pelos gramados londrinenses. Atende educadamente a todos por Val.
Lindo Val.
Sua presença gera desavenças em casais.
Basta uma olhadinha, para o namorado enciumado e inseguro, ter suas crises.
Explodir em desaforos contra a pobre iludida.
Outras simplesmente fogem se deslocam para o campo onde seu muso está.
Assumem o risco, quase que instintivamente.
Foi o que aconteceu em uma partida recente. Uma jovem simplesmente virou a casaca. Abandou os amigos que acompanhava e ficou. Sentou-se de forma solitária em um banco atrás do gol adversário, encantada, sofreu. Como sofreu.
Percebia-se sua aflição ao longo da partida.
Desesperava-se com a violência praticada contra seu muso.
E como os marcadores são cruéis.
Batiam com gosto.
Uma verdadeira sessão de descarrego.
Uma crueldade sem tamanho, com o pobre coração aflito que parecia não aceitar o que acontecia.
Incomodada, roía as unhas, gesticulava. E a cada encontrão, era uma sofreguidão indescritível.
A cada ai.
Um ui.
Um palavrão abafado pela consciência comprometida.
Olhava o relógio.
Murmurava o nome que acabara de Aprender.
Vai Val.
Vai Val.
Parecia pedir um gol ao destemido camisa sete, coincidentemente o número imortalizado por Renato Portaluppi.
Seus olhos o acompanhava por todo o campo.
Pareciam querer protege-lo.
Foram longos cinquenta minutos de sofrimento. Perceptíveis em seu cruzar de pernas. No olhar fixo para o campo. E acima de tudo, pela expressão de angústia.
Definitivamente, o que era para ser um "vou ali, e já volto", virou torcida. Esqueceu de vez o time que acompanhara.
Era a mais pura expressão de devoção.
A devoção a Lindo Val.
Suas mãos pareciam sempre estar em oração.
A fazer um pedido.
Suas preces foram atendidas, no final do jogo. Com o gol que selaria a partida. Um gol de classe e frieza.
Na entrada da área.
Diante de um marcador vencido.
Como poucos musos, foi generoso, ouvíamos orientaro lateral que nervoso e indeciso, evitou o arremate frontal.
Dizia firmemente
- Faça o gol. Chute.
Não chutou.
Passou.
Passou forte.
Quase sem ângulo.
Bola rápida.
Domínio preciso.
Lindo. Preciso.
Lindo.
A jovem mal piscava. Levou a mão à boca.
Lindo.
Creio que naquele. Justamente naquele momento. Sequer respirou.
Lindo.
Parecia querer parar a projeção do goleiro contra seu muso.
Seria inevitável o impacto. Era um goleiro maçudo.
Mas não, para ele aquilo era poesia.
Olhou fixamente para o goleiro que em desespero já deslizava pelo chão.
Fitou-o.
Parecia querer ver dentro de seus olhos.
Bateu seco e saltou.
Não de qualquer jeito.
Ela se levantou do banco.
A bola entrou.
Ela saltou.
No canto superior.
Ela gritou.
E juntamente com o barulho da bola deslizando pela rede, ouvia-se ao fundo.
Lindo.
Lindo.
Lindo.
Lindo.
Uma alma estava agraciada.
Abriu em seu belo rosto um sorriso.
Sorriso que contrastava com o olhar cabisbaixo do goleiro que sequer levantou do chão.








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