terça-feira, 7 de setembro de 2021

Com a sorte não se brinca

 

Parigot x Raios Gruv. Primeiro tempo no torneio da Independência, campo do Heimtal. Londrina 07.09.21.


Talvez nenhuma palavra em nosso vocabulário consiga expressar a frustração de um defensor ao vazar a própria meta.
O olhar perdido.
A voz embargada. E a vergonha.  A vergonha de tudo e de todos. E se o ocorrido se fizer com campo cheio. De torcida barulhenta ao secadores. Aí a tragédia está feita. 
A criatura que se deparou com tal destino, até segurava a marra de personagens de um Ésquilo ou Sófocles. De penteado samurai, corria de meias arreadas, marcando pinta de xerife e capitão da equipe.
Era um espetáculo, entre amigos e desconhecidos , uma centena de pessoas se amontoou nos barrancos e na pequena arquibancada do campo do Heimtal nesta manhã ensolarada de feriado para assistir seu scratch em campo. Não era mais um jogo, valia uma taça. Quatro equipes nesta manhã se colocaram a enfrentar o sol na ânsia de conquista-la, De conquistar o torneio da Independência. 
Alguns chamavam de torneio da Libertadores. 
Independência, Libertadores e tutti quantis, o que muitos queriam era aproveitar a manhã ensolarada. Para toda regra há exceções, havia sim alguns com senso cívico, vestidos à rigor, camisa da seleção como Neymar Jr nas costas, política no bico, lata de cerveja na mão e olhos para o gramado. volte e meia um palavrão.
Voltando ao jogo, estava morno, sob sol de trinta e cinco, a pino. Mas morno.
Muito chutão e erros de passes pelo meio campo. Faltava criatividade. Aliás, faltava mais coisas para ser uma boa partida de futebol.
Mas, um chute fraco mudou o rumo da partida.
Enquanto milicos fardados marchavam em desfiles sem público. Um pé mal posicionado resolveu dar novos ares ao enredo da trama.
Bastou-lhe o biquinho.
E a meta sucumbiu.
Não havia vinte minutos rodados. E a meta caiu. Caiu no fogo amigo.
O goleiro, todo atabalhoado correu em uma trajetória que não mais a da bola, pequeno e pesado, sequer conseguiu voltar. Faltava-lhe envergadura. Corajoso, até ensaiou uma corrida, mas parou.
Parou e olhou.
O defensor, incrédulo, só fazia lamentar.
Argumentava consigo mesmo. Sequer fora cobrado pelos companheiros. Todos pareciam saber que era questão de tempo.
Olhava para o gol.
Ainda gesticulou para o goleiro. 
Olharam-se. Pareciam tomados de vergonha, uma inenarrável atmosfera de fracasso. Tudo em único trago amargo.
O pé displicente.  O corpo mal posicionado. 
O goleiro foi às redes, tomado de uma iniciativa de recomeço lançou a bola ao centro do campo.
De cabeça baixa,  o defensor, visivelmente abatido parecia por aquele instante ter perdido a confiança.
Tudo.
Tudo lhe rompeu o peito.
Os movimentos que vieram a seguir  foram temerários, as pernas tornaram-se pesadas, como se não mais lhe obedecessem. A segurança. Os gritos com os camaradas. tudo cessou, um silêncio mortal.
Ora o outra observava o público.  Os olhos dos barrancos e da pequena arquibancada pareciam querer devorar-lhe. Perseguiam-no.
Parou de graça, jogou como um defensor deve jogar, carrinho, pancada e chutão. 
Passou a jogar simples. Não se apresentava mais para a bola.
Mas o que é o ego senão a desgraça humana. 
Os gregos sabiam disso. Dom Pedro I sabia disso. Mas nosso herói não.
Vaidoso, com o tempo de jogo avançando foi lhe voltando a coragem.
Voltou a driblar. Começou a aparecer aqui. Ali. A pedir bolas dentro de sua área.
A querer ser visto.
Estava seguro, e driblou um.
Depois outro.
Ninguém lembrava-0 que era um defensor.
Pareciam não ter coragem de confronta-lo.
Driblou para todos os lados. E pior na entrada de sua área.
A driblar na área, anunciou a tragédia.
Provocou os deuses da sorte.
E cortando para dentro, perdeu a bola.
Olhou.
Aflito, parecia pedir a Deus. Mas, esse,  já havia escolhido lado.
Foram dois toques até o mundo ruir.


terça-feira, 1 de junho de 2021

O camisa 10

 


Era o dono da bola.

Não aceitava ser contrariado.

Havia comprado tudo. O uniforme, a bola e fazia questão de pagar sozinho o campo. 

Como contrapartida, queria a 10. Tinha uma obsessão por essa camisa. Com ela, sentia-se completo. Era do meio de campo que gostava de fazer o jogo acontecer. E no começo, até fazia.

Jogava bem. E sabia disso. Distribuía a bola, conhecia os craques da equipe. 

Seu ego crescia a cada gol. A cada comentário que vinha da beira do campo.

Do campo que ele pagou.

Por muito tempo, a 10 foi aplaudida por torcedores apaixonados e eufóricos. 

O time era o 10.

Todos os torcedores o amavam. Adorava ser aplaudido. 

A cada temporada, um novo elenco. A torcida mal aprendia o nome do atleta, e na temporada seguinte não estava mais lá. Mas a rotina se mantinha. 

Sua bola.

Seu uniforme.

Seu campo.

Sua 10.

Suas regras.

Havia os que discordavam. Mas a 10 ofusca. Aliás, passado um tempo, passou a assustar.

Já não não distribuía a bola com a precisão que tinha. Passou a prende-la.

Era a sua bola.

Passou a brigar constantemente com a sua equipe. 

Sentia-se só. Traído. 

E continuava a não passar a bola. 

Os aplausos da beira de campo viraram comentários. Os comentários, viraram críticas. E com as críticas toda a sua trajetória foi se apagando. Pois, não passava a bola.

Assim como na vida, no campo tudo tem um limite, e vieram as vaias.

Toda vez que tocava na bola era perseguido pelo alarido das margens. 

Era soar a primeira vaia e já se desconsertava, irritado, dizia que seria aquela a sua última partida.

Na outra semana estava de volta, com o uniforme novo, as bolas e o campo pago. 

Sabia tocar a bola. Porque não tocava?

Era o que todos pediam.

Era o que as vaias induziam com a sua insatisfação.

Os companheiros de equipe, atônitos os via errar jogadas simples, coisa que jamais erraria em seus tempos douros. Mas errou. 

E com isso, outra vez foi vaiado. Não aguentou, em seu campo! Ninguém, nem o Papa o ofende. Colocou todos para correr. 

Os jogos começaram ficar vazios, sem graça. Perdiam partidas fáceis. Já não tinha mais resenha. Muitas vezes, os companheiros sequer entravam no vestiário. 

Por um tempo esteve lesionado. Os companheiros em solidariedade, não usaram a 10. Guardaram-na. Esperavam o seu retorno. 

Mas pintou um 14. Rápido. Estava afim de jogo, passava a bola e corria para virar opção. Voltaram a vencer. 

Ganharam uma.

Duas. 

Três. 

Na quarta partida ele voltou.

E a bola voltou a prender em seus pés.



                                                                                                 Londrina, 01 de junho de 2021


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

ão ão ão, Cássio é seleção

 

Goleiro Cássio  garantiu o 0 x 0 no placar Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

Hoje mais de quarenta milhões de brasileiros e o lado tricolor de Porto-Alegre cantam a uma só voz.

Ão, ão, ão. Cássio é seleção.

O ídolo de Parque São Jorge, que reconhecemos, não vive sua melhor fase. Na noite de 25 de fevereiro de 2021, foi decisivo para o octacampeonato do Flamengo. Foi impecável. E quando não conseguiu parar o Internacional, eis que a sorte rubro-negra e a trave lhe ajudaram.

A sorte de campeão. Palavras do próprio Abel Braga ao término do massacre do Morumbi há algumas semanas atrás.

Luciano, durante cem minutos teve aos olhos colorados, dos torcedores mais apaixonados, um busto. Não, uma estátua digna de Romário e o Rei Pelé, a ser erigida na entrada principal do Gigante da Beira Rio. A ficar eternamente diante do Guaíba. 

Até rumores de sua contratação milionário e vitalícia, rondavam as redes sociais.

O Inter tinha o seu herói.

Estava tudo encaminhado.

Mas, o Corinthians furou o script.

Se segurou. Cássio, tão questionado. Segurou o que pode.  E viu atleta a atleta, extenuados, desabarem a sua frente as cinquenta e três minutos do segundo tempo.

Cássio, pegou até pensamento.

Foi o algoz da noite. O herói rubro-negro.

Enquanto isso, no Morumbi, alguns aparelhos celulares, garantiam bolinhos de tensão.

Não gritaram.

Mas sabem que deveriam.

Ão, ão, ão. Cássio é seleção.

 





 

domingo, 21 de fevereiro de 2021

V(FL)AR

 

      Rodinei após ser expulso contra o Flamengo.Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF fonte: 

Nem de longe.

Nem de longe.

É o que dirá o torcedor do Sport Club Internacional de Porto Alegre, que viu nesta tarde de domingo ensolarado em pleno Maracanã seu time ser derrotado pelo Flamengo pelo placar de 2 tentos a 1.

Partida com gosto de final. Com direito a trio de arbitragem FIFA e erros grosseiros de várzea.

O senhor Raphael Claus apitou com o nome. Errou feio. Para os dois lados. Mas errou e decidiu o jogo, por ser omisso. Deu sorte de seus auxiliares estarem em uma ótima tarde. O mesmo não se pode dizer do VAR que foi outra vez decisivo pró-Flamengo.

Estranhamente em um jogo no qual o Internacional poderia se sagrar campeão brasileiro de 2020, a taça sequer esteve nas imediações do estádio. 

O Maracanã que sem torcida ecoa os gritos dos dirigentes rubro-negros. apresentando ao torcerdor em casa, as velhas amarras do futebol profissional brasileiro. Ora ou outra, narradores e comentaristas constrangidos tentam acobertar falas que no mínimo comprometem a integridade do campeonato. Não precisamos ir longe para tais registros. No domingo anterior, contra o Corinthians, antes mesmo da televisão ou o próprio VAR liberar a imagem do segundo gol da equipe rubro-negra, seus dirigentes já gritava ao árbitro: "Pode dar. Deu aqui que estava na mesma linha". 

Como assim?

Sequer o árbitro da partida sabia disso.

Mas o jogo é jogado. E a partida deste domingo foi decidida em um único lance que abriu a defesa colorada.

A expulsão de Rodinei em uma jogada sequer notada inicialmente pela arbitragem.

O lateral em disputa com Felipe Luiz, acabou chegando atrasado e atingindo o atleta da Gávea.

A princípio, nada fora marcado. O apito veio com segundos de atraso.

Veio pelo VAR.

Assistimos dezenas de vezes o lance. E em todos os ângulos, Rodinei observa somente a bola. Sequer percebe Felipe Luiz.

O árbitro deu.

Sem convicção e de longe.

Não teve falatório. Assustado com grito, e consciente de ter sido um "acidente de trabalho", Rodinei ficou ao lado do colega de profissão. 

Em torno do atleta atingido apenas conversa. Qualquer iniciado no futebol sabe que jacaré não tem perdão. Pegou por cima. É certeza de bolinho. De empurra-empurra. 

Árbitro experiente sabe disso. 

A reação dos atletas indica o cartão.

E Rodinei ficou ali. Não deu migué. Não tomou empurrão. Apenas ficou ali. Se desculpando com Felipe Luiz.

Atletas rubro-negros e colorados sequer discutiam. Aliás, como muito se mostrou nos detalhes televisivos, conversavam.

Eis que do nada. 

Quando tudo parecida resolvido. Contrariando a todos em campo, Claus faz o retângulo do vídeo.

Um absurdo.

Estava desenhada a intenção do jogo.

Decide entrar para a História.

Raphael Claus na penúltima rodada do campeonato brasileiro de 2020, abre um buraco na sólida defesa da equipe gaúcha. 

Em seu retorno, ainda sem convicção, aceita o dito, ao inserir a mão em seu bolso direito. 

Por ser FIFA, todos contávamos com seu bom-senso. Mas, não foi pequeno. sucumbiu aos patrocinadores, e pintou de vermelho o céu do Maracanã aos dois minutos do segundo tempo.

O árbitro que gosta de conversar. De deixar o jogo seguir. Estranhamente, assinalou, talvez, o pior erro de sua carreira.

Com um gesto quase que envergonhado, rapidamente aponta o vermelho a Rodinei.

 Expulsa o atleta de um milhão de reais.

O homem de confiança de Abel Braga.  

Estava, neste momento sendo conivente com o circo, e consolidava a intenção de uma última rodada sem taça.  Talvez a CBF a leve para o Morumbi, porque não? Afinal este será o local de jogo do Flamengo.

No duelo entre as duas equipes mais regulares do campeonato, o árbitro de vídeo roubou a cena.

Silenciou o campo vazio. Desautorizou a arbitragem. E talvez tenha selado o futuro do campeonato.