quarta-feira, 30 de setembro de 2015

PARA QUEM JOGAMOS?



Saudoso time da Escola de Samba Quilombo dos Palmares (1998-2002). Fotografia registrada no Grêmio Cacique em 2000. Em pé da esquerda para a direita: Wilsão, Sossego, Rogério Siri, Indão, Zé Bagaça, Riquinho. Agachados: Jaiminho, Jean, Alex Baixinho, Cristiano Hiena, Anderson Xota, e um lateral que nunca lembro o nome.

06 de setembro de 2015



O futebol e seus sonhadores.
Uma partida de futebol é um somatório de sonhos.
Garotos que sonham com estádios lotados. Com torcidas apaixonadas a gritarem seus nomes.
Sonhadores de chuteiras.
Que a cada lance olham para o lado. Procuram um rosto familiar.
Um irmão.
Um amigo.
Um filho.
Um pai.
Cada lance. Um sonho. Cada lance. Uma realização.
São garotos. Apenas garotos. Nada mais.
Brigam o tempo todo.
Alguns nitidamente choram.
E como crianças, querem a bola o tempo todo.
Pois são garotos.
Alguns fora de forma.
Com cabelos embranquecidos pelo tempo. 
O tempo de gramado.
Outros, mais garotos ainda.
Filhos de alguém. Adotados por alguém em campo. Protegidos.
Esses garotos e suas manias.
O apadrinhamento é uma delas.
"Nesse. Ninguém toca".
Hoje, pelos garotos presentes, teríamos toda uma geração de base.
Londrina. Portuguesa. União de Bandeirantes. Matsubara. Nacional de Rolândia, e tantos outros clubes pelos quais passaram esses sonhadores.
Meninos.
Garotos marrentos. E bota marrentos nisso.
Toca a bola de um lado e olha para o outro.
Mão boba no pescoço.
O toco que fica.
Tapinha nas costas só para desequilibrar.
Essa garotada não tem jeito. Criam expressões em campo.
É "pai" dali. "Jogador" de cá.
É difícil ser garoto quando próximo a completar trinta e nove anos.
O tempo é cruel. Mas a memória é generosa.
Hoje foi daqueles dias.
Dia de relembrar vinte anos atrás.
Dia de rever amigos. De rever histórias.
Dia de lembrar quando corria olhando para o lado procurando alguém.



AMIGOS DO TOMADA/ALPES 1 X 3 BARÇA/SERRALHERIA PREMIUM

domingo, 27 de setembro de 2015

CHORÃO


20 de setembro de 2015


Quem não se lembra do célebre "fala muito" proferido por Tite contra o ranzinza Luis Felipe Scolari na semifinal do Paulistão de 2011. A frase eternizou a figura do "chorão", criatura insuportável que tem o péssimo hábito de frequentar partidas de futebol. Seja no banco ou em campo, é persona non grata
Não se contenta com nada, tudo está errado. 
Em todas a situações é a vítima.
O árbitro, a bola, o gramado.
Deus, as estrelas. Tudo.
Tudo conspira contra sua existência futebolística.
Tenho diversas teorias sobre esses sujeitos, creio que a mais polêmica seja a que melhor explique essa "birra".
São criaturas carentes.
Chorões são cínicos. Muitos mimados por avós carinhosas e treinadores leiteiros, distorcem os fatos.
Necessitam da atenção de todos, o tempo todo.
Chegam a apelar para serem escutados.
Falam com o rosto colado ao árbitro (por sinal sua vítima preferida). E sempre estão certos. Muitas vezes, fazem-me lembrar a minha esposa. Pois não erram nunca.
Nas divididas são os atletas dos "ais". Encostou o joelho dobra. 
Dão giros maravilhosos.
E como gritam.
Exigem Fair play. Mesmo quando (e isso é quase sempre) estão promovendo o mais puro teatro.
Reclamam.
Reclamam.
Reclamam, e reclamam.
Esses tais chorões reclamam tanto que, pasmem, cheguei a pedir a um árbitro conhecido que amarelasse um companheiro de equipe.
E não guardo remorso por isso.
Foi um ato digno de justiça  com todos em campo.
Árbitros. 
Pobres árbitros. 
Esses tem paciência de santo.
Os tais indivíduos não se contentam em falar.
Vão para cima dos homens do apito.
Seguram seus braços.
Querem conter os cartões.
Gostam de falar abraçados.
Gesticulam.
Uns, sinceramente, parecem que mais um pouco, desabariam em choro.
Quando estão à beira do campo, continuam olhando para o assoprador. Mas suas intenções com o pobre homem de preto pioram.
Tem a pachorra de correrem os olhos na linha lateral só para cobrarem dos árbitros saídas de bola que somente eles veem.
É uma gritaria.
Os palavrões.
Ah os palavrões! 
Não nos polpam um.
Usando um exemplo coloquial, poderíamos dizer que à beira do campo, um chorão equivale a uma briga de lavadeiras. Tamanho o barulho que esses seres promovem.
E o pior de sua natureza é a eterna afirmação: "só perdemos porque não estávamos completos".
Concordo, mas pode levar a sacola.




PREVENT SEGUROS 1 X 7 ELETROGE F C 

Gols: (1) Alan, (1) Marcão, (1) Matheus, (1) Bruno, (1) Guilherme, (1) Rafael, (1) Nardo.
























quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A PINGA




19 de setembro de 2014



Existem vícios que são insuperáveis, o dependente realmente fica exposto e submisso as alterações físicas e psicológicas causadas pela droga.
Dizer a um viciado (ou melhor, um dependente) que procure tratamento, evite a droga que lhe causa sensações diversas como a angústia e a euforia, isso é besteira.
Pois sabemos que o mesmo não abrirá mão disso.
Domingo me vi em tal situação, pois o dependente do qual falo sou eu. E espero que meu depoimento incentive a outros dependentes a voltarem com o vício.
Como dizia, era mais um domingo. Minha esposa já acordara aflita, pois sabia que me enterraria de novo lá no campinho, como faço todos os domingos. Sabia que me encontraria com outros viciados, e mesmo assim, resignada, entregava-me a sorte, pois tinha consciência que tal situação era inevitável. 
Resignada, preparava-se para o meu retorno, sempre sob o efeito de uma exposição muito grande da substância.
Sei de suas angústias e por amor resolvi ser mais forte que o vício.
Somente por esse dia.
Esse domingo.
Diria não.
Quando me preparava para sair de casa, prometi a ela que procuraria ajuda. Iria atrás de um especialista.
Isso a deixou feliz.
Mas no fundo, sabia que não faria isso tão facilmente. 
E foi o que aconteceu.
Ao chegar no campo, ou melhor, no Gigante dos Predinhos, encontrei outros tantos iguais a mim.
Deixei-os decepcionados, pois, tal qual havia prometido a minha esposa, não iria, pelo menos naquela manhã, me dar o prazer de compartilhar meu vício com os amigos.
Mas dependente é dependente.
Sentei-me separado do pessoal.
Juro que tentei.
Mas o vício é mais forte.
Quando dei por mim, estava à beira do campo, mancando de um lado para o outro.
Gritando.
Gritando muito com o time.
Por vezes entrava em campo, para cobrar de perto o lateral.
A endorfina estava agindo.
Meu humor mudou, fiquei impaciente.
Agitado.
Mas essa era característica de todos os usuários dentro do campo.
Para se entender o poder devastador dessa droga, é só observar o meu quadro clínico, minha perna esquerda em condições normais não dobrava, dificultando a locomoção. Durante toda a partida mantive-me em movimento constante.
Milagre?
Não. Efeitos da droga.
Outro aspecto da dependência, é que essa é praticada coletivamente, em grupos,
geralmente de amigos, que acaba consolidando uma forma de família.
Não tinha como abandonar meus irmãos de campo.
Em casa foi assim, entrei no vício e ainda levei meu irmão para consumir essa droga.
O grande barato da futeboldependência é o fato do êxtase ser coletivo.
As reações são diversas.
Murros no ar.
Palavrões.
Corridas solitárias.
Abraços.
Entre tantas outras bizarrices deste nosso mundo.
Bom, cumpri a promessa que fiz a minha esposa. Durante a tarde de domingo procurei o médico.
Esse me examinou. Detectou a lesão.
E quase ironicamente me disse:
Você não vai jogar futebol essa semana?
Apenas sorri.


ELETROGE F C 2 X 2 KTADOS F C

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

COMO EXPLICAR O INEXPLICÁVEL?


Série DNA da várzea, pelo fotógrafo Rodrigo Campos: o goleiro.
Fonte: http://esporte.uol.com.br/futebol/album/2014/04/07/dna-da-varzea-por-rodrigo-campos.htm 


12 de setembro de 2015
Língua de zagueiro queima.
Não é um dito popular como habitualmente me faço valer. É uma constatação.
Ainda hoje conversava com um amigo sobre o gol perdido por Rildo. Éramos dois estrategistas. Apaixonados por futebol, debatendo o xadrez no tático Corinthians e Grêmio.
Foi gol feito, dizia. Com a acidez do crítico.
Era só dar um tapa na bola, complementava.
Mas não. 
Concluímos que o pobre diabo sofreu da soberba antecipada. Ao topar com o zagueiro e sair cara a cara com o jovem goleiro Thiago, já pensava no som das arquibancadas. Nos torcedores gritando o seu nome. No abraço dos companheiros.
Errou.
ERROU.
Fez o nome do goleiro.
Maldito Rildo.
Como corneteamos o Rildo.
Mas tudo que vai. Volta.
E língua de zagueiro queima.
Jogar próximo ao gol tem os seus entraves.
É o pior dos ofícios.
Não há louros. Só cobrança.
Uma bola lançada. Uma ponta de pé.
O suficiente para parar o tempo. Para que seguremos o ar.
Eis a tragédia.
Gol contra.
Sabe o que é jogar com um gol contra nas costas?
Você pode tirar outros tantos. Mas é tarde.
O espaço sagrado de sua meta foi corrompido.
Cada bote dado e a visão da bola entrando maldosamente no ângulo direito de minha meta.
O pobre goleiro trocando as mãos para evitar a tragédia.
Esforço inútil.
Um jogo quase perfeito. Para mim e para o jovem Lucas.
Fechamos tudo.
Bola cruzada.
Lá estava meu pé salvador.
Passou de mim.
Lá estava Lucas.
Passou de Lucas.
Lá estava meu pé salvador outra vez.
Era um Ballet.
Mas havia a sombra do gol.
Do gol contra.
Um drama moral.
Havia uma sombra. Havia uma poça.
Houve um escorregão.
Pobre Lucas.
Um pouco de barro, derrubou um paredão.


AEC XV 4 x 6 BARÇA / SERRALHERIA PREMIUM
gols: (2) Dodo O Matador; (2) Rick Londrina, (2) Rato

domingo, 20 de setembro de 2015

CAIU O DENTE


29 de agosto de 2015




Quando a fase está ruim...
Até o dente cai.
Isso mesmo amigo leitor, a fase anda tão ruim que o dente resolveu saltar a boca.
Fase ruim parece coisa do Capiroto, é coisa mandada. Pois não dá para aceitar que se jogue melhor que o adversário praticamente o jogo inteiro, e no final...
Cai o dente.
Melhor, a bola não entra.
O adversário gritando desde os vinte do segundo tempo que o jogo já acabou.
Cada chute era um já acabou em coro, parecia que haviam ensaiado.
Mas jogar bem não resolve, alguma coisa estava errada.
O problema eram os chutes.
Nunca vi tanto chute para fora.
Quando digo que é coisa feita não estou exagerando.
Parece feitiço de mulher apaixonada. Aquelas do amor não correspondido.
Mas lhes pergunto caros leitores. É justo que por um,  todos soframos desse trabalho?
Nunca vi bola de chapa fazer curva para fora.
Cabeceio para o chão sair reto.
É o Capiroto.
É macumba das "braba".
A endoidecida deve no mínimo ter pego um calção do time para fazer o trabalho. Ou um meião? 
Que seja.
Mas foi do time, porque a Zica está difícil de passar.
O Pai de Santo deveria ter a hombridade de dizer a pobre diaba que macumba boa se pega em peça íntima e não em uniforme de time.
A coisa anda tão "braba" que a pimenta na carteira secou de sumir.
Tem jogador que começou a procurar cultos para descarrego.
Mas nem assim.
O dente caiu.
E caiu inteiro.
Pobre Dodô, que preso a zaga sofria, sempre pensando na corrida para o ataque.
Quando até que enfim livre. 
"Vai Dodô, plane na área adversária".
Disparou como uma criança. Brigou. Ou melhor, brincou. 
Como brincou, já havia feito um, queria outro.
Mas esse não seria um gol qualquer. Seria algo especial. O gol redentor.
Estava tudo correto no script, lateral cobrado. Já eram rodados trinta e quatro do segundo tempo. provavelmente o último lance.
Como um beija-flor, lá vai Dodô.
Subiu muito mais alto que o zagueiro.
Fez um lindo movimento de cabeceio.
Era a jogada tão sonhada.
A jogada de empate. A jogada que o consagraria.
Até fico imaginando o que passava em sua cabeça naquele momento, o barulho da rede, os gritos. O apito do juiz.
Dodô o herói.
Foram longos e eternos poucos segundos, o suficiente para que seu dente cravasse no cotovelo do marcador e todo o filme mudasse.
O dente caiu.



PATRIMÔNIO REGINA/CH. MARCIO 5 X 4 BARÇA

Gols: (1) Rick Londrina; (1) Rato Janaina Eldri Lacal; (1) Dodô; (1) Mauro Periotto

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O LENDÁRIO CAMPO DA VILA RECREIO


Campo da Vila Recreio sendo preparado para jogo. Esse campo fica situado as margens da Rua Tietê, Vila Recreio em Londrina, PR. Fonte: Google



25 de janeiro de 2015

Situado as margens da Rua Tietê, de um verde sempre impecável, levemente inclinado para uma de suas laterais, o famoso campo da Vila Recreio é folclórico, carrega em si histórias diversas de atletas e campeonatos incríveis.
Sua grama Mato Grosso, que por muito tempo foi tão bem tratada pelo falecido Jacaré continua linda, de um verde tão intenso que ainda alimenta sonhos de moleques que o margeiam em dias de jogos. Exibe orgulhosamente suas dimensões oficiais, presente na fala de todos os nativos do espaço. Orgulho esse que pretende definir: AQUI FOI O MARCO ZERO DO FUTEBOL SUÍÇO.
AH, velho campo, como nutriu o imaginário futebolístico de muitos boleiros da cidade.
Talvez os futebolistas mais jovens não tenham a dimensão do que representa para o futebol londrinense esse espaço sagrado.
Isso mesmo SAGRADO, por onde desfilaram craques do futebol amador londrinense.
Campo onde Heber Roberto Lopes deu seus primeiros assopros no apito. Suas redes tiveram o prazer de serem acariciadas pelo grande Élber em épocas de amadorismo.
É sagrado na memória de muitos que puderam crescer em seu entorno.
Desde meus dez anos de idade, todos os domingos pela manhã, saia do Jardim Paulista, para assistir os jogos da Copa Recreio.
Ficava horas a fio assistindo as partidas.
Quando dava sorte conseguia uma sombra das generosas árvores que o margeiam.
Era uma disputa pelo melhor ângulo.
Dezenas. Centenas de pessoas coladas ao alambrado.
Como ficávamos colados.
Alguns só desgrudavam quando acabava tudo.
Cresci com os olhos vidrados, do alambrado para dentro do campo.
Um campo que somente os "escolhidos" poderiam entrar.
Quando adolescente, sonhava em poder ser eu um desses.
Aprendi futebol às suas margens.
Eu e tantos outros.
Que corríamos para casa ao término dos jogos para tentar colocar em prática tudo que havíamos visto.
Mal almoçávamos, formávamos nossos campos na rua e bola pra que te quero.
Saudade dos velhos cornetas, que não se acanhavam em troçar atletas "mal concentrados".
Sempre de mau humor, alguns beiravam a ranzinzice.
Reclamavam de tudo.
Muitos apelidos que viajaram pelos gramados de Londrina, nasceram ali.
Esse final de semana, fizemos jus a sua grandiosidade.
São memórias de um encontro sempre prazeroso.
E revigorados por essa magia, ontem nos encontramos.
Jogamos um futebol magistral.
Digno de todos que por ali desfilaram.
Digno do silêncio daqueles que assistiam.
Digno do palco que nos recebeu.




RECREIO/BAHIA 1 X 6 BARÇA/SERRALHERIA PREMIUM




segunda-feira, 14 de setembro de 2015

LONDRINA E C 1 X 0 S C CORINTHIANS


Londrina 1 x 0 Corinthians, 15 de fevereiro de 1978. Gol de Carlos Alberto Garcia.
 Foto: Jornal Folha de Londrina.



01 de agosto de 2014

Durante meus trinte e sete anos de vida, pelo menos uma vez por ano, quando o assunto era futebol, ouvia falar desse fatídico jogo de meu amado "Curíntia" no Estádio do Café.
Londrina 1 x 0 Corinthians.
Sinceramente, essa história me irritava.
Poxa, só sei que o Garcia  fez o gol por VT.
Não me lembro da "pinguela".
Do cheiro de cerveja.
Nem dos sons vindos da arquibancada.
Que história mais vazia!
Não sei se era noite ou dia. Frio ou calor.
Apenas sei do jogo.
Irritava-me nos tempos de solidão de minha juventude, indo ao estádio com os amigos.
Não entendia por que durante toda a minha vida fui obrigado a ouvi-la.
Ou pelo menos não a entendia até ontem.
conversando com um amigo de família (de amizade que ultrapassam os quarenta anos, daquelas duradouras), descobri que não houve apenas aquele jogo. 
Houveram outros tantos. E fui nestes outros também.
Mas aquele era especial.
Era o "Curíntia" em Londrina.
E eu fui.
Era especial porque um "curintiano" pode, naquele dia, atravessar o Frigosé (antigo Frigorífero São José) pelos fundos do Jardim Paulista com o seu filho de um ano e meio nos ombros, junto aos amigos. Corneteando como de costume as duas equipes. Rumo ao Estádio do Café.
Esse não foi o dia mais especial de minha vida. foi o dia mais especial da  minha relação com ele. Foi o dia que materializou a sua condição de pai.
Ao ouvir as palavras de Seu Adão, confesso, a saliva grossa me travou a garganta. Tive um forte aperto no peito. Pois foi neste momento que a história fez sentido.
Ainda esse ano o convidei várias vezes para irmos aos jogos do Londrina, sempre se recusava.
Ora dizia que estava muito sol.
Ora que não gostava de ir ao estádio. 
Mas todos os domingos. Sempre me esperava durante as tardes para cornetearmos os jogos juntos.
O último jogo que assistimos juntos em sua casa, como fazíamos há pelo menos sete anos, todos os domingos, religiosamente, foi justamente o da inauguração do Itaquerão. 
Era um dia especial, pois acabara de retornar do hospital.
Eu e um dos meninos na sala, e ele em sua cozinha, jogando baralho com a irmã, supervisionado pelos olhares sempre cuidadosos de minha mãe e minha avó.
Entre um intervalo e outro queria saber quanto estava o jogo.
E o nosso "Curíntia" perdeu.
Mas ele não poderia ir embora assim. Seria muita sacanagem do Timão.
Em nossa última conversa, adivinhe caro leitor qual o tema em pauta?
Isso mesmo, o "Curíntia" e o gol de Paolo Gerrero contra o Cruzeiro.
Procurei descrever a jogada, senti que havia prazer em seus olhos ao ouvir.
Fiz a crítica da rodada.
Falei do meu jogo na quarta a noite.
Durante vinte minutos o nosso elo de pai e filho fechou nossa relação.
Talvez essa foi a melhor forma de dois homens "secos" dizerem um ao outro: 
EU TE AMO CARA, SE CUIDA.








A meu pai, Nelson.












O Voo




O VOO
16 de agosto de 2015



Quando o grande Leônidas da Silva inventou a bicicleta, talvez não tivesse a dimensão plástica do feito.
É simplesmente um voo de beija-flor.
O corpo para no ar.
Porém. Não é um simples parar.
O corpo do atleta fica em paralela com o gramado.
Suas pernas enganam o tempo ao serem trocadas em pleno voo.
É o mais puro efeito de contrapeso.
Ou como nós, os apaixonados, queremos crer.
Um driblar o olhar do goleiro.
Hoje, dezesseis de agosto de dois mil e quinze. Tive o prazer de presenciar um desses voos.
Do tipo de lance que merece a eternidade.
Ser registrado pelas lentes dos fotógrafos.
Não por um olhar. Mas milhares.
Pois toda poesia deve ser cantada aos olhos e corações.
Jogo difícil.
Adversário bem armado em campo.
O gramado irregular, maltratando boleiros e a bola.
Eis que surge o brilho da genialidade.
Marcão, a aproximadamente uns quinze metros do gol, recebeu a bola ainda viva. Difícil de ser controlada.
Simplesmente improvisou.
Como se espera de qualquer jogador de seu nível.
Improvisação é o lapso da genialidade, cantariam os poetas.
Como um pássaro, lançou-se ao ar.
Zagueiro, goleiro e todos os presentes, por um instante, todos parecíamos estar congelados no tempo de seu movimento.
O estádio silenciou.
Não ouvia-se nem mais um suspiro.
Como um movimento em slow motion, tudo pareceu muito lento. Até a pedalada.
A bola que vem lançada.
O corpo que a retém.
A bola que sobe.
O corpo que gira.
A bola continua suspensa.
O corpo alçado no ar.
A perna esquerda que encanta o goleiro.
A perna direita que acaricia a bola.
Foram dois sons que romperam o silêncio do espaço.
O pé que bate na bola.
A bola que descansa na rede.
Os olhares foram dos mais diversos possíveis.
Haviam os incrédulos.
Haviam os cabisbaixos.
Haviam os encantados.
Leônidas sorriu. Pois neste momento, o céu ganhou um azul mais intenso.
O ar seco tornou-se mais agradável.
Foi difícil não aplaudir.


ELETROGE F C 3 X 3 PENAROL/VILA ROMANA
Gols (1) Bruno Savassoff Melo (2) Marcos Roberto Assunção