segunda-feira, 27 de abril de 2020

Edivaldinho o craque do povo


Foi cruel. E a beleza, as vezes é recheada dessa áurea de crueldade.
De um chute sem peso. A bola tracejou um movimento parambolar.
E o pobre goleiro, esticou-se. Chacolhava os braços no ar como um gato.
Em um movimento mais que felino, "felínico". Saltou por detrás do zagueiro. Estava um passo a frente e o beque desorientado, um passo atrás.
Tentou voltar em um salto quase mortal. Agitou-se no ar e deitou junto a bola no fundo da rede.
Edivaldinho apenas sorria.
Do lampejo de genialidade, do meio do campo. Seco e sem peso. Como um Didi.
Aliás, Edivaldo é nome de jogador clássico. De tempos douros.
Fez o que o Pelé não fez.
Acertou a meta do meio da cancha.
Mas com um no sorriso rosto. Sempre.
Parece debochar do adversário.
Mas, que nada.
O que ele faz mesmo é sorrir para a bola. E como gosta da bola!
Humilde, nunca fez a questão da 10. E olha que a oferecemos diversas vezes.
Aceita a 8.
Um Gerson.
Não guarda posição.
Traz de perfeito aquilo que o futebol tático esqueceu, o peladeiro.
Não o caneludo. Mas, o amante da bola.
Está em todas as áreas do campo.
Gosta de administrar o jogo.
E nesse, não estava bem.
Errou passe. Perdeu gol.
Até bola nas costas tomou.
Mas gênio, é gênio e ponto.
Inventou.
Deixou para o final do jogo.
Mas inventou.
Deu por cima do goleiro.
E o pobre diabo que havia pegado tudo abraçou a bola dentro do gol.
Não sem antes arregalar os olhos. Clamar por Nossa Senhora e deitou no tapete.
Demorou a se levantar.
Humilhado em uma partida quase perfeita.
Apenas um passo a frente.
E a genialidade o superou.



sexta-feira, 10 de abril de 2020

Whatsapp

Lupércio, ex-goleiro da Bratac, Maria Lúcia, Londrina, 2018. Foto: André Camargo


O mundo é online.
Tudo que pretendemos desenvolver passa por páginas, grupos ou redes sociais.
No futebol amador não é diferente. Hoje as equipes nascem e também morrem no Whatsapp.
Sem romantismos. Nada de peneira ou indicações. Sem essa de rachão ou time de amigos.
É pro curtida mesmo.
A publicidade está nos comentários e os likes das redes sociais.
Quer formar um time? Vá para o "Whats".
Mas antes, vasculha as redes sociais, procura o jogador em seu perfil e faz o convite.
Aceitou, adiciona no "Whats".
Com os jogos também não é diferente. sou da época que esses eram marcados pela rádio, que na segunda-feira divulgava os resultados das partidas que agendara.
Hoje não.
Está tudo em grupo.
Em Londrina todas as partidas, nas quatro Ligas da cidade são combinadas online.
Se quiser jogar na cidade, tem que estar conectado.
Tudo é figurinha e status.
Administrador e dirigente até o momento do jogo, não passam de um Avatar.
Atualmente, para garantir os jogos, e estar por dentro da cena, participo de quatro grupos de Whatsapp. Na verdade, são quatro Ligas de futebol, administradas por um ou mais indivíduos.
Esses grupos são verdadeiros Fóruns. É administrador mandando resenha do pós-jogo revelando as rivalidades locais e os desafetos, as fotos dos campos e vídeos das partidas. Fora as bajulações recheadas de falsidade, e o "Deus abençoe todos nós", ou o "aqui todo mundo é irmão", geralmente após uma sessão de bate-boca.
Uns grupos são mais objetivos que outros, os mais organizados, postam lâminas com os escudos das equipes e os resultados, não admitem conversas que destoem disso.
Outros não, lava-se muita roupa suja nestes grupos.
Em meio a brigas, bajulações e ameaças, recentemente, a coisa ganhou novos ares. Imagine o oder de um grupo de Whatsapp. Fechado, os caras falam e fazem o que pensam. Veja o estrago, até presidente elegeram, evitam Blitz, e tudo. O que dirá fritar um jogador.
Foi o que fez um dos dirigentes locais ao postar um áudio de descontentamento.
Era um áudio longo, quase dois minutos de desabafo que encontrou eco.
Desgostoso com a atitude do atleta, o  expôs ao julgamento do grupo. Deu o nome, a apelido e o tipo físico, audíveis até para os mais distraídos.
Estava formado o "tapete" online.
Uma forma de moralizar o futebol amador da cidade.
Era o que dizia.
Aliás, neste momento do áudio já bradava.
Rapidamente surgiram as palminhas.  De todas cores.
Alguns mais empolgados, mandavam figurinhas de apoio.
Eram uns dez envolvidos, mas estava feito.
Um pequeno grupo de diretores de equipes de futebol amador da cidade resolveu dar uma basta ao boleiro sem compromisso.
E o denunciante? Em meio ao coro, continuou. Estava visivelmente indignado com o investimento e a falta de retorno que teve com esse atleta, passou o currículo. Repetiu o nome e CPF do indivíduo.
Era coisa de gente traída. Dava para perceber a mágoa.

- Tratei como um filho. A chuteira estragava em jogo de meio de semana, e lá estava o indivíduo no sábado fazendo pressão para trocar o par.  Ou troca ou não joga. Trocava.

- Dei do bom e do melhor. Todo jogo trazia a família e os amigos para ficarem na piscina.

- Gastamos um monte com o "doce" no final das partidas. E a cerveja?
Tem que ser da boa. Da badalada.  Nada dessas convencionais que os estômagos do garotos são sensíveis.

Sentia-se traído. Era visível isso.
Deu campo.
Chuteira e cerveja.
Até apresentou para os amigos.

- Era para ver se o indivíduo se arrumava melhor no emprego.

Era quase um pai.
E o que ganhou?
Um "valeu", em meio de temporada. Com o time reformulando.
E a contrapartida?
Não teve.
Desabafava. E a cada eco que surgia no grupo, repetia outras várias vezes o nome e o apelido do atleta. Alertava os demais dirigentes sobre suas atitudes.
Em meio a tal situação, o debate ferveu.
E assim seguiram as lamúrias.
O desabafo deu o que falar ao longo da semana. Outros dirigentes, sentido-se seguros e acolhidos começaram a puxar o histórico de muitos atletas de temporada.
Era uma insatisfação só.
E o coro?
Uníssono.
A reclamação estava voltada ao custo-benefício.
Investe-se no jogador. Isso é fato.
Os mais indignados desabafavam.
Foi uma terapia coletiva. Furiosos, reclamavam de tudo. De tudo mesmo.
Um dirigente que até então só visualizava, resolveu improvisar um acordo.

- Vai ter que apresentar currículo.

Silêncio geral no grupo.
De repente, surgiram os "joinhas".
Eram mais de cinquenta.
Muitas carreiras de boleiros estavam se findando naquele momento.
Propôs que jogador que estivesse trocando de clube informasse a origem, e que os dirigentes acertassem entre si a permissão ou não deste jogador disputar uma das Ligas em suas equipes.
Os remelas de chuteira ficaram bravos.
Esses que até então estavam quietos, talvez gozando do desespero alheio. Viram-se prejudicados.

- Como assim? Se trocou é porque está procurando coisa melhor.

Outros propunham meio termos.

- Fritar o jogador é muita crueldade. Ninguém precisa jogar onde não quer. Façamos o seguinte, jogador só muda de clube no final da temporada.

Silêncio no grupo.
De repente, mais de oitenta "joinhas".
Era quase unânime a ideia. Pareciam ter encontrado uma solução.
Pelo menos, até a rodada de sábado,  quando o distinto boleiro foi visto com o uniforme de um dos remelas.
Não deu outra. Rolou foto, áudio e muito xingamento.
Parecia briga de marido ciumento.
O cenário estava montado.
E o boleiro?
Esse não estava nem ai. Jogou e até gol fez.
Foi uma bela estreia.
Tem vídeo.





sábado, 4 de abril de 2020

#o_jacare_nao_pode_acabar


Em épocas de campos fechados as redes sociais nos enchem os olhos.
Hoje em meio a um turbilhão de atividades de trabalho, eis que percebo uma notificação em meu aparelho celular.
Era um vídeo curto, enviado por um amigo que sabedor de minha admiração pelo atleta, resolveu presentear-me com trinta e nove segundos de nostalgia.
O compartilhamento original,  entregava a intenção do conteúdo. Parecia alertar o destinatário para o qual direcionava o post. Era quase uma manchete

"Repórter sem medo de fazer o trabalho dele, zagueiro, zagueirando e polemizando na entrevista".

Soava como uma crítica a todo um sistema esportivo praticado a partir de perguntas ensaiadas. De atletas orientados por especialistas em imagem. Parecia se sentir justiçado.
No olho do furacão e com cara de poucos amigos, o lendário zagueiro João Neves, pesadelos de muitos atacantes que cruzaram o caminho do Londrina nos idos de 1990.
Estava desolado. E não era por menos, acabara de ser expulso. Considerava aquilo uma verdadeira injustiça.
O atacante saiu ileso.
E mesmo assim, fora expulso.
Era perseguição da arbitragem. E isso parece que seguiu-lhe por toda a carreira.
Se o João está em campo, prepara os cartões.
Mas o lance que irritara o zagueiro?
Em sua leitura, foi apenas um carrinho motivacional. Daqueles que anima o trabalhador que procura na partida de futebol uma distração para os seus desencantos.
Mas o vídeo é cruel e comentado.
Mostra-nos a vinte seis anos após o lance que João não escutou o professor.
Não o técnico da equipe profissional.
Esse não. Macaco velho olha treinador por baixo. Faz que escuta e toma linha.
O professor do terrão. Da escolinha.
Um carrinho próximo a linha de fundo? Não pode.
Mais foi. No gol dos portões do hoje silencioso Vitorino Gonçalves Dias.
A vítima?
Um ponteiro de nome Niltinho. Talvez o momento solene de sua carreira tenha sido essa falta.
E reconheço, até com certa admiração. Como saltou!
A cena é forte. Não sei como o Facebook permitiu que viesse aberta. Deveria ter recomendações para os ânimos fracos. Mas justifica o substantivo transformado em verbo.
Zagueireou no bote e na entrevista.
Era uma bola morta. Bola em linha de fundo.
Nessa área do campo, diz o manual e a prudência que se evite o contato.
Mas devia ter torcedor pedindo para o bom João deitar um corpo por ali.
Foi o que ele fez.
Zagueiro quando é zagueiro. Deita.
Deita ou voa.
E João Neves fez os dois.
Planou e deslisou.
E o árbitro? Esse não.
Mandou o xerife para o banho mais cedo.
O camisa três saiu envolto de jornalistas. Todos, esperando uma palavra para a primeira página da gazeta.
E veio.
Veio na ação rápida e astuta, e porque não corajosa do grande Rubens Cabral, o típico repórter de beira do campo.
Esse sim entende a pressão no gramado.
Sabe como falar e a hora de perguntar.
E perguntou.
Perguntou o que tinha que se perguntado.
Mas perguntou.
E os demais? Só ouvintes e de gravadores ligados.
E de cabeça quente, João soltou um fora do script. "Elogiou" o árbitro. Até tentou sair. Teve seus segundos de bom senso.
Mas, o astuto repórter lhe provocou. Sabia onde cutucar.Mexeu-lhe no ego.
E veio a pérola. como o olho brilhoso como que se por aquele segundo de lembrança voltasse-lhe a felicidade. Fitou a torcida do canto da pipoca, e justificou o carrinho.
 - É para levantar a galera.
- Levantar a galera?
Perguntou-lhe o repórter.
E João lhe emendou um complemento.
- Mas a seriedade tem que ser acima de tudo.
E voltou a "elogiar" o árbitro.
Pasmo com o que viu, e com o que acabara de escutar, o repórter insistiu.
- Mas você viu o tamanho do jogador?
E João, do alto de seus quase dois metros de altura, ainda de cabeça quente soltou o que todo varzeano diz.
- Não importa o tamanho, está dentro de campo tem que aguentar o tranco.
Ao proferir as palavras, rumou para o vestiário.
Assisti o vídeo várias vezes e compartilhei
#o_jacare_nao_pode_acabar