quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A PINGA




19 de setembro de 2014



Existem vícios que são insuperáveis, o dependente realmente fica exposto e submisso as alterações físicas e psicológicas causadas pela droga.
Dizer a um viciado (ou melhor, um dependente) que procure tratamento, evite a droga que lhe causa sensações diversas como a angústia e a euforia, isso é besteira.
Pois sabemos que o mesmo não abrirá mão disso.
Domingo me vi em tal situação, pois o dependente do qual falo sou eu. E espero que meu depoimento incentive a outros dependentes a voltarem com o vício.
Como dizia, era mais um domingo. Minha esposa já acordara aflita, pois sabia que me enterraria de novo lá no campinho, como faço todos os domingos. Sabia que me encontraria com outros viciados, e mesmo assim, resignada, entregava-me a sorte, pois tinha consciência que tal situação era inevitável. 
Resignada, preparava-se para o meu retorno, sempre sob o efeito de uma exposição muito grande da substância.
Sei de suas angústias e por amor resolvi ser mais forte que o vício.
Somente por esse dia.
Esse domingo.
Diria não.
Quando me preparava para sair de casa, prometi a ela que procuraria ajuda. Iria atrás de um especialista.
Isso a deixou feliz.
Mas no fundo, sabia que não faria isso tão facilmente. 
E foi o que aconteceu.
Ao chegar no campo, ou melhor, no Gigante dos Predinhos, encontrei outros tantos iguais a mim.
Deixei-os decepcionados, pois, tal qual havia prometido a minha esposa, não iria, pelo menos naquela manhã, me dar o prazer de compartilhar meu vício com os amigos.
Mas dependente é dependente.
Sentei-me separado do pessoal.
Juro que tentei.
Mas o vício é mais forte.
Quando dei por mim, estava à beira do campo, mancando de um lado para o outro.
Gritando.
Gritando muito com o time.
Por vezes entrava em campo, para cobrar de perto o lateral.
A endorfina estava agindo.
Meu humor mudou, fiquei impaciente.
Agitado.
Mas essa era característica de todos os usuários dentro do campo.
Para se entender o poder devastador dessa droga, é só observar o meu quadro clínico, minha perna esquerda em condições normais não dobrava, dificultando a locomoção. Durante toda a partida mantive-me em movimento constante.
Milagre?
Não. Efeitos da droga.
Outro aspecto da dependência, é que essa é praticada coletivamente, em grupos,
geralmente de amigos, que acaba consolidando uma forma de família.
Não tinha como abandonar meus irmãos de campo.
Em casa foi assim, entrei no vício e ainda levei meu irmão para consumir essa droga.
O grande barato da futeboldependência é o fato do êxtase ser coletivo.
As reações são diversas.
Murros no ar.
Palavrões.
Corridas solitárias.
Abraços.
Entre tantas outras bizarrices deste nosso mundo.
Bom, cumpri a promessa que fiz a minha esposa. Durante a tarde de domingo procurei o médico.
Esse me examinou. Detectou a lesão.
E quase ironicamente me disse:
Você não vai jogar futebol essa semana?
Apenas sorri.


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