domingo, 4 de junho de 2017

Chuteiras velhas



Chuteiras velhas são incríveis. Trazem no corpo histórias de batalhas Homéricas, lances que somente a memória dos presentes podem desmentir. Chuteiras velhas tem sangue. São anatomicamente deformadas.
Usadas.
As chuteiras velhas conhecem os atalhos do campo.
Chuteiras velhas são velhas.
Cada risco no couro.
O bico reforçado com a costura.
Os buracos abertos em suas laterais.
Tudo. Tudo conta histórias.
No plural, não no singular.
Histórias que se superam em detalhes. Detalhes que sequer são lembrados pelas marcas no corpo.
Chuteiras velhas são como seus donos. Solitários contadores de histórias que envelhecem em suas paixões.
Se o campo diz sobre seus atores, o que dirá os apetrechos que os compõem?
É o branco da trave em uma das laterais.
É a grama que teimosamente está presa ao bico.
O calcanhar torto pela pisada.
A lama nas travas.
Tudo narra.
Mas narrar é ver o tempo passar. Melhor, narramos no tempo.
Chuteiras velhas são como fotografias desbotadas, falam sobre borrões. Ilustres e desconhecidos. Apenas borrões.
São estranhas aos que as desconhecem, mas estão lá.
Tortas e a postos, para se inundarem de vida em mais uma gigantesca disputa de várzea.
Mais uma disputa.
Mais uma história.
O tempo sempre há de vencer as chuteiras velhas. Que do tempo, só podem narrar.

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