terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

O Pé de frango

 


Não dava outra. O galo cantou, vinha de onde estivesse. De noite virada ou dormida. Descia o morro. Era uma marcha religiosamente elíptica e devota. 

Era o primeiro a chegar ao campo. Muitas vezes, antes mesmo do pessoal da marcação do gramado.

Tinha o seu ponto predileto, e inúmeras vezes entrou em desavença por ter que negociar o espaço, algumas, aponto de paralisar a partida. Nunca admitiu injustiça, ainda mais quando a vítima de tal covardia era ele mesmo.

Assistia os noventa minutos em pé, caminhado por toda a extensão da lateral do barranco. Nem policial o tirava dali. Era caso perdido. Andando sobre a linha, dava tapas na bola nas cobranças de lateral. O adversário não tinha paz. Gostava de resenhar na cabeça dos atletas, e ai de quem caísse por ali. Entorpecia os alas com seu aroma inebriante do fundo dos “Copo Sujo”. Era um odor de três noites curtida em cana.

Volta e meia, fazia malabarismos na linha lateral a ponto de motivar um mutirão para cercarem o campo da vila.

O copo?

Já dispensará há uma década. Sequer havia viva alguma testemunha dessa fase.

A cena se repetia em todos os domingos. Era como ir à missa. Aparecia no campo, mais que muitos jogadores. Sempre a posto, com xingamento na ponta da língua. 

Dizia que isso motivava os meninos.

Não passava um. Da entrada do elenco ao apito final. Eram muitas as homenagens.

Atletas novos, principalmente os jovens vaidosos, ainda sem casca, azedavam com o sujeito. Muitos, a ponto de ir para os finalmente. De tentarem agredi-lo fisicamente. Mas para isso, sempre existiu a turma do deixa disso.

Outros, colocavam as condições. Ou ele ou eu. 

E quem manda em bêbado?

E lá ia mais um atleta tentar a sorte em outro clube.

Era a peleja perfeita, o duelo, do pé de frango contra os pé de rato.

Entre o escárnio e o tumulto do final das partidas, as manhãs de domingo se enchiam no empoeirado campo do fundo de vale.


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