domingo, 3 de junho de 2018

Doutorzinho



Depois da água, somente o doutorzinho.
É infalível.
Indicado por especialistas para qualquer problema de origem futebolística.
Chegou na farmácia, é coisa certa.
Até parece que esses estabelecimentos tem um especialista em problemas da boleiragem.
Boleiro que se preza tem o seu doutorzinho na bolsa.
A qualidade deste produto é medida no cheiro. Quanto mais forte o odor da cânfora, maior as suas propriedades medicinais.
O que não falta em vestiários são histórias, e o cheiro de cânfora.
Para ser específico, histórias de lesões. É ombro fraturado, tornozelo torcido, estiramento, tendinite, e todas as mazelas que um corpo pode sofrer.
O velho Tulipa, que o diga. Centroavante dos bons, do tipo matador. Trombava com tudo quanto é tipo de zagueiro. Principalmente os que não rezavam para dormir. Desses parecia gostar mais.
Era uma verdadeira Enciclopédia Clínica Futebolística.
Franzino e de tipo cavernoso.
Caminhava com suas pernas compridas e secas, com as meias arreadas, como se quisesse provocar os marcadores. Tinha o rosto coberto de salientes "crateras", uma barba totalmente falha que se desenhava por esses relevos, e as marcas dos pontos.
Havia domingos que aparecia com um dos olhos roxos ou inchados.
- O que aconteceu rapaz?
Com o cigarro ainda na boca respondia com sua voz sempre serena, parecendo minimizar o feito.
- Isso aqui? Foi nada não. Foi no jogo de quarta e um caminhão sem freio que veio pra cima de mim. Mas nós classificamos.
Era só isso que importava.
A classificação.
Era um boleiro de espírito.
Tinha uma tolerância a dor invejável.
Em todo campo que íamos, apanhava. E como apanhava.
Centroavante habilidoso apanha muito.
E são esses tipos que traziam a resenha para dentro de vestiário.
Moleque novo. Ou ficava admirado ou tremia.
Comecei no futebol vendo-o se lavar de doutorzinho nas tardes de domingo.
Quando perguntava para que servia aquilo, dizia que era para se prevenir das pancadas.
Sempre acreditei que era um tipo de anestésico.
Teve época de levar garrafadas para beira do campo.
Era um Xamã artilheiro.
Com ele aprendi que quanto mais velho o boleiro, maior o número de lesões e principalmente, das histórias das lesões que tem para contar.  Em suas mochilas, encontra-se de tudo, ataduras, pomadas, adesivos e até telefone de pai de santo.
É tanta história que assusta.
Tem jogador que impressionado, aplica o santo remédio antes mesmo de entrar em campo. Até aqueles que não tem problema algum. Esses, aplicam para se prevenir.
Recentemente descobri que se cheira a pomada. Isso mesmo. Antes de entrar em campo, deve-se cheirar um pouco. Para "abrir os pulmões".
Não emprestamos chuteiras.
Mas caiu no chão e gritou.
Alguém já pergunta:
- Tem doutorzinho ai?


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